02.01.21
As razões perdidas no passado de Julieta e Romeu
Por Luiz Roberto Bodstein
1 de janeiro de 2021
São tantos, tantos anos já passados, e da memória não me saem os olhos tristes de minha angustiada Julieta em intenso sofrimento, forçada a abandonar o desesperado e intenso amor do seu Romeu. Persegue-me a nítida lembrança dos olhares de dor que trocávamos, enquanto nossas mãos se procuravam na semiobscuridade da sala de projeção, sob os críticos olhares de nossas famílias que tão somente esperavam pelo encerrar do filme para poder levá-la para bem longe de mim.
Insiste nas minhas lembranças teu súplico olhar me pedindo para que não me afastasse de ti e te desse forças para resistir à pressão exercida para que me esquecesses de uma vez por todas… E do tanto que chorei quando não mais pudeste evitar sucumbir a tantos conflitos, tantos castigos impostos, tantas censuras sofridas tão somente por sentirmos aquele amor tão intenso, sem compreender a culpa que nos cabia por termos um passado de sangue comum correndo em nossas veias… Lembro-me do quanto tive que ouvir tal justificativa para aquela absurda proibição ao meu puro e inocente direito de amar.
Lembro dos teus olhos vazios, sem brilho, resignados, quanto te encontrei de novo e eles me falaram do que eu nunca soube por ti, enquanto meu coração gritava para que não te entregasses aos medos dos nossos depois. Não sei se reais ou intencionalmente forjadas, chegavam-me notícias de que escondias no corpo as marcas das punições após cada vez que teimávamos em ficar juntos nos locais de frequência comum de nossas respectivas famílias e eu me conflitava entre o desespero pela falta que sentia de ti e a culpa de sabê-la submetida ao sofrimento a que eu te sentenciava, por conta do incontrolável amor que nos arrastava para os braços um do outro, apesar das pressões impostas por nossos pais.
Tudo o que sei, pelo que me contaram – ou pelo que tentei convencer a mim mesmo para aceitá-lo – foi que estavas sofrendo por eu insistir em impor-te a minha presença em tua vida, como se te amar tão intensamente fosse o mais hediondo dos crimes que eu pudesse cometer contra ti. Por alguma razão que nunca vim a descobrir, foste assim arrancada de mim em definitivo sem que eu pudesse ao menos ter sabido que forma utilizaram para convencer-te a aceitar a decisão imposta ao nosso amor, e nossas vidas então tomaram rumos que jamais voltariam a se cruzar. Estas perguntas persistiram por longas décadas, enquanto minha vida e a tua se moldaram às novas trajetórias que se nos apresentaram, independente de nossas escolhas.
Diana Hirsch / Getty Images Signature / Canva
E eis que o destino nos aproxima sem querer, num dia qualquer, numa inusitada ocasião de um local qualquer, sem que nenhum de nós o buscasse ou esperasse que tal coisa pudesse acontecer por si… E as mesmas perguntas me retornam, do jazigo adolescente para a maturidade dos meus novos dias: a ânsia de saber por que fui obrigado a te perder, por que nosso amor de pueril descoberta mútua teve que ser tão brutalmente abortado por vontades que não eram as nossas, por razões que não nos pertenciam, por lógicas jamais compreendidas para que as aceitássemos por nós mesmos!…
E cá estamos nós… E aí estás enquanto ainda te procuro para descobrir a versão que te contaram naqueles tenros anos para convencer-te a renunciar ao amor que eu te tinha e resgatar meu direito à certeza de que o destino que nos impuseram foi justo para ti… Ou talvez se a versão que carrego comigo empresta sentido para tão amargurada saudade arrastada por anos e anos de perguntas sem respostas, pela ausência de uma versão que se mostrasse comum tanto a mim quanto a ti… Para que se possa buscar no passado a aceitação para pelo menos um coração – que passou a maior parte de sua vida em uma angustiante e permanente busca de porquês!…
Enquanto que os infelizes amantes do drama original escolheram morrer para que na morte não mais pudessem ser separados, eu tive – neste meu conto real inacabado – que enfrentar a morte da alma e receber, como pena irrevogável pelo meu crime de amar-te, a lembrança eterna de uma paixão pisoteada pelo inexorável prosseguir do tempo.
Luiz Roberto Bodstein
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