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A Chama Violeta

Sítio dedicado à filosofia humana, ao estudo e conhecimento da verdade, assim como à investigação. ~A Luz está a revelar a Verdade, e a verdade libertar-nos-á! ~A Chama Violeta da Transmutação

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Novembro 26, 2015

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Os Cavaleiros Templários – História. 

Parte 4.

Por Michel Lamy.

Edição e imagens: Thoth3126@protonmail.ch





OS TEMPLÁRIOS, ESSES GRANDES GUERREIROS DE MANTOS BRANCOS COM CRUZES VERMELHAS

Uma vez aprovada a Ordem e permitindo-lhe a sua regra assumir o seu papel duplo, religioso e militar, poderíamos considerar que estava adquirido o enquadramento jurídico favorável ao seu desenvolvimento. Condição necessária mas não suficiente porque os Templários tinham necessidade de uma logística poderosa. Precisavam, não só, de realizar recrutamentos importantes para formarem batalhões de monges-soldados na Terra Santa, mas também garantir a manutenção desses exércitos em operações.

Edição e imagens: Thoth3126@protonmail.ch

OS TEMPLÁRIOS, ESSES GRANDES SENHORES DE MANTOS BRANCOS – OS SEUS COSTUMES, OS SEUS RITOS, OS SEUS SEGREDOS.

Parte anterior em:

Segunda Parte – O Templo, Potência Econômica e Política – Os Mistérios da Sua Riqueza 

01 – OS BENS DO TEMPLO – ASSEGURAR A LOGÍSTICA

Era necessário fornecer-lhes alimentação, armas, vestuário, equipamentos, armas, cavalos, etc. As necessidades em breve iriam tornar-se colossais. Imaginamos mal, hoje em dia, como os Templários conseguiram fazer-lhes frente. Por vezes, houve que manter até quinze mil «lanças» na Palestina e uma lança significa um cavaleiro com o seu séquito completo: escudeiro, sargento de armas. Essas quinze mil lanças representam, na verdade, entre sessenta e cem mil homens. A isso há que acrescentar a intendência: todos os irmãos conversos encarregados dos abastecimentos, manutenção, reparações e alojamentos.


Pensemos que, a fim de ter sempre à disposição uma montada fresca, cada cavaleiro possuía três cavalos enquanto mais dois eram atribuídos a cada um dos seus sargentos. Em redor desta tropa gravitavam também os capelães do Templo e os operários encarregados das construções e da sua manutenção. Não esqueçamos que os Templários construíram e defenderam imensas fortalezas na Palestina e que asseguraram também a guarda de inúmeras praças-fortes em Espanha. Logo, era absolutamente necessário garantir as retaguardas da Ordem e financiar o esforço de guerra a partir do Ocidente.

Depender de uma corrente contínua de donativos teria sido muito arriscado e, de qualquer modo, insuficiente. Essas dádivas eram perfeitamente necessárias, mas, a utilização dos seus produtos devia ser racionalizada e maximizada. Convinha, é claro, provocar um verdadeiro ímpeto de simpatia e de generosidade para com o Templo e torná-lo o mais duradouro possível. Depois, seria necessário gerir por forma a multiplicar a eficácia do financiamento.

O PEDITÓRIO
No que se refere à primeira fase, a propaganda organizada por São Bernardo viria a revelar-se eficaz: os que se não alistassem nas fileiras da Ordem sentir-se-iam amiúde obrigados a doar para participarem nesse ímpeto. A verdadeira «digressão» que Hugues de Payns e os seus companheiros fizeram depois do concílio de Troyes permitiu acionar o sistema. Tinha, é claro, o duplo objetivo do recrutamento e da coleta de dádivas. Hugues de Payns começou pelas regiões onde tinha a certeza de ser bem recebido: a Champagne, em primeiro lugar, como é lógico, e, em seguida, Anjou e o Maine. Conhecia bem Foulques V de Anjou, que participara na primeira cruzada e mantinha uma centena de homens de armas na Terra Santa. Já estava conquistado para a causa dos Templários.

O que é mais, Hugues de Payns fora encarregado, junto dele, de uma missão muito agradável, dado que era portador de uma carta de Balduíno, rei de Jerusalém. Este, que não tinha herdeiro homem, desejava ver Foulques casar com a sua filha, Mélisande, e suceder-lhe no trono de Jerusalém. Foulques aceitou e ajudou a facilitar a digressão de Hugues de Payns junto dos seus vassalos. Hugues continuou o seu périplo passando pelo Poitou e pela Normandia.

Aí, encontrou o rei Henrique I de Inglaterra que o aconselhou a transpor o Canal da Mancha. O primeiro Mestre da Ordem, com a recomendação no bolso, dirigiu-se então à Grã-Bretanha e chegou, inclusive, à Escócia. Foi bem recebido em toda a parte e acumulou dádivas e presentes diversos. O ouro e prata recolhidos foram rapidamente expedidos para Jerusalém, enquanto Hugues continuava a sua digressão, passando pela região de Flandres, para a concluir no seu ponto de partida: a Champagne.

Nesse momento, uma pequena hoste já se formara em seu redor, ao longo das etapas, pronta para embarcar para o Oriente. Durante esse tempo, os seus companheiros da primeira hora não tinham ficado inativos. Também eles haviam recrutado, tendo-se cada um deslocado ao local onde tinha a certeza de ser melhor recebido: Godefroy de Saint-Omer, em Flandres, Payen de Montdidier, no Beauvaisis e na Picardia, Hugues Rigaud, no Delfinado, na Provença e no Languedoque, outro fora a Espanha.


Assim, em 1129, os habitantes dos vales do Ródano puderam ver passar uma tropa comandada por Hugues de Payns e Foulques de Anjou, com destino à Terra Santa. Em muito pouco tempo, o Mestre do Templo conseguira recrutar trezentos cavaleiros, sem contar os escudeiros e os sargentos que os acompanhavam. A digressão de propaganda fora um verdadeiro êxito e as dádivas começavam a afluir de todos os lados. Durante décadas, o movimento em prol do Templo não iria deixar de crescer. No Ocidente, já se criavam casas da Ordem, que tinham como dever não só assegurar a intendência, mas também, continuar a propaganda com o fito de atraírem novos recrutas e doações. Se olharmos bem, o progresso da Ordem do Templo parece fantástico, quase inexplicável na sua magnitude.

TUDO SE DOA
As primeiras doações foram, é claro, as dos primeiros Templários, dado que a sua regra os proibia de terem propriedade privada. Foi, portanto, o caso dos bens de Hugues de Payns, de Godefroy de Saint-Omer, em Ypres, na Flandres, dos de Payen de Montdidier, em Fontaines, etc. Mas houve também bens e direitos oferecidos por particulares: casas, terras, armas, objetos diversos, dinheiro, roupas, «taxas»… Havia até quem doasse a sua própria pessoa à Ordem do Templo em troca de uma vantagem espiritual. Bernard Sesmon de Bézu foi um curioso exemplo disso.

Ele doou a sua própria pessoa a fim de que os Templários o ajudassem a salvar a sua alma e o acolhessem na sua Ordem quando a sua morte estivesse próxima, fazendo-o assim participar in extremis no seu empenho e nos benefícios celestes que daí pudessem resultar. Precisava: “E se a morte viesse surpreender-me enquanto estou ocupado no século, que os irmãos me recebam e que, num local oportuno, inumem o meu corpo e me façam participar das suas graças e benefícios.” Em contrapartida, fazia dos Templários seus herdeiros. Além destes aspectos testamentários, viu-se também pessoas venderem os seus bens à Ordem em renda vitalícia.

Outros cediam direitos diversos ou locais particulares, como a levada de um riacho para que os Templários pudessem construir lá um moinho. Quanto a Roger de Béziers, foi muito generoso. Doou: “[…] o seu domínio chamado Champagne, situado no condado de Razès, nas margens do rio Aude, que o divide ao meio […] com todos os seus habitantes, homens, mulheres e crianças, as suas casas, foros, usufrutos, as suas terras isentas de foros e terras aráveis, os seus prados, pastagens, terrenos baldios, as suas culturas e terrenos incultos, as suas águas e aquedutos, com todos os moinhos e direitos de moinho, as pescarias com entradas e saídas.”

Isto sem contrapartida alguma, visto que afirmava: “Os irmãos do Templo não me deverão, sobre o seu domínio, nem rendimentos, nem vínculos pessoais, nem direito de portagem e de passagem.” Algumas dádivas foram nitidamente mais modestas, como a daquele camponês que se compromete a fornecer, todos os anos pela Páscoa, dez ovos à casa do Templo próxima do local onde habita. Os que doavam eram amiúde desinteressados ou esperavam do seu ato um benefício quanto à remissão dos seus pecados. Mas outros tratavam isto como negócios. As suas doações eram realizadas então contra determinadas liberalidades por parte da Ordem e, muitas vezes, a garantia de esta os proteger, a eles e aos seus interesses, garantia muito apreciável naqueles tempos de insegurança.

De qualquer modo, foi tudo muito depressa. Os bens multiplicaram-se rapidamente. Assim, a casa dos Templários de Douzens, no Aude, não recebeu menos de dezesseis doações importantes, em cinco anos. Na Flandres, o entusiasmo foi fulgurante: em alguns dias, foram instaladas quatro comendas, em Ypres, Cassel, Saint-Omer e Bas-Wameton. A partir daí, toda a região foi percorrida de imediato, o conde Guillaume Clito concedeu-lhes as sisas (impostos) das Flandres, isto é, os foros devidos por cada herdeiro quando entrava na posse do seu feudo. No Languedoque, fora organizada uma reunião pública na catedral de Toulouse para dar a conhecer a Ordem. O efeito imediato foi, é claro, um peditório substancial, mas seguiram-se-lhe inúmeras doações, tanto no Languedoque como no Roussillon.

Esta região deu, aliás, um bom exemplo da extensão contínua da Ordem. Em 1130, os Templários receberam um imóvel em Perpignan. Transformaram o local em fortaleza, com uma igreja fortificada. Em 1136 e 1137, foram-lhes doadas casas, campinas, terras cultiváveis, vinhas e os homens que nelas trabalhavam. Aconteceu o mesmo em 1138 e 1140. Sabemos menos bem o que se passou nos anos seguintes mas, em 1149, Gaufred, conde de Roussillon, doou o Mas da Garrigue du Pont-Couvert-sur-Réart que foi transformado em recebedoria. Em 1157, os Templários viram transferidos para si diversos direitos. Em 1170, o conde Guinard doou-lhes o castelo do Mas-Pal, junto do qual criaram a aldeia de Bompas.

Em 1176, outras terras vieram juntar-se a todas estas propriedades. Em 1180, começaram a secar um conjunto de pântanos que haviam acabado de lhes serem doados. Dez anos mais tarde, os Templários tornaram-se proprietários de todos os terrenos planos situados a oeste de Perpignan. Em 1207, o rei de Aragão concedeu-lhes terras que tinha no Roussillon e, em 1208, o bispo de Elne atribuiu lhes a igreja da cidade com os seus rendimentos. Ocorreram novas doações de terras e de direitos em 1214, 1215 e 1217. Em 1237, na sequência de novas doações, a comendadoria geral do Roussillon foi instalada no Mas-Deu, entre Trouillas e Villemolagne. Isto mostra a regularidade das doações durante um século.

Na verdade, neste lapso de tempo, o Templo recebeu, nesta região, muitas outras terras mas não as citamos, dado que nem sempre conhecemos as datas precisas. O movimento de generosidade que se exerceu em prol da Ordem do Templo adquiriu proporções especialmente importantes na França. No entanto, outros países participaram nesta construção. Para esquematizar, poderíamos dizer toda a Europa. Mesmo assim, alguns foram mais longe do que outros. Isso foi especialmente verdade nos reinos da Península Ibérica. Logo em Maio de 1128, a Rainha D. Teresa, de Portugal, dera aos Templários o castelo de Soure, ponto de resistência aos sarracenos. Não esqueçamos que os árabes da dinastia dos Almorávidas ainda ocupavam, nessa época, metade da Península Ibérica.

Em 1130, a entrada de Raimundo III de Barcelona para a Ordem, trazendo com ele o castelo de Oranera, foi o ponto de partida de uma vaga de recrutamento, de doações de fortalezas e dinheiro. Quanto ao rei Afonso de Castela e Aragão, quis inclusive doar, por testamento, um terço do seu reino aos Templários. Elevaram-se protestos e o testamento acabou por ser anulado, mas a Ordem foi indenizada, apesar de tudo, com a atribuição das fortalezas de Curbin, Montjoye, Calamera, Monzon e Remolina. Por vezes, algumas praças-fortes só lhes foram atribuídas em troca de alguns esforços. Foi assim que D. Afonso de Portugal lhes concedeu a de Ceira e toda a região que a rodeava, com a condição de expulsarem os sarracenos que a ocupavam.

Eles fizeram-no e aproveitaram para fundar as cidades de Coimbra, Ega e Ródão. Perante o seu poderio crescente, as pequenas ordens militares que haviam sido fundadas em Castela e em Aragão, como a Ordem de Montreal, fundiram-se com a do Templo, trazendo consigo os seus bens. Assim, com bastante rapidez, a Ordem do Templo encontrou-se solidamente implantada na França, Espanha, Portugal, Inglaterra, Alemanha, Bélgica e, depois, na Armênia, Itália e em Chipre, sem esquecer a Terra Santa.

A ORGANIZAÇÃO DAS COMENDAS
Todas estas doações provocaram muitas invejas. Vimos que o testamento do rei de Aragão foi contestado; aqui e ali, alguns particulares consideraram-se lesados, inclusive algumas ordens religiosas protestaram porque, à medida que aumentava o entusiasmo em relação ao Templo, viam rarefazer-se as dádivas de que eram alvo. Por uma espécie de equilíbrio misterioso inerente à natureza humana, quantos mais amigos tinham os Templários mais suscitavam invejas e inimizades. Inúmeras vezes, os bispos e até a Santa Sé tiveram de intervir para dirimir litígios. Assim, no caso da capela de Obstal, os Templários tinham obtido que as esmolas dadas nesse local, durante os três dias das Rogações e os cinco seguintes, pertencessem à Ordem, beneficiando delas, durante o resto do ano, os cônegos de Saint-Martin d’Ypres.

Foi necessária a intervenção do arcebispo de Reims e dos bispos de Chartres, Soissons, Laon, Arras, Mons e Châlons e até mesmo uma confirmação pontifícia para tornar possível essa disposição. Fosse como fosse, a quantidade e diversidade destas ofertas em breve exigiu, dos Templários, uma aptidão muito especial para a gestão e a organização. Escolheram para célula de base do seu desenvolvimento as comendas. Na verdade, se a sua criação dependeu, na maior parte das vezes, do acaso e se realizou em função das oportunidades, o seu desenvolvimento correspondeu a critérios racionais. A organização dessas comendas ocidentais foi, em todos os aspectos, notável. Elas reuniram, segundo as regiões, culturas, prados, vinhas, fontes, ribeiros, lagos, construções diversas, rendas, direitos.

Sempre que lhes foi possível, os Templários procuraram realizar uma cobertura eficaz das regiões onde estavam bem implantados. Procuraram também colocar a mão em determinados locais famosos por terem albergado cultos antigos e que se julgava possuírem poderes especiais. Tão frequentemente quanto podiam, dado que tinham os pés perfeitamente assentes em terra, tentaram também garantir rendimentos regulares, em substituição dos aleatórios. Sempre que lhes foi possível, converteram os direitos e percentagens que haviam recebido em taxas fixas. É verdade que, cada dia, a manutenção do seu exército do Oriente lhes custava extremamente caro e devia ser assegurada, a qualquer preço.

Foi também por isso que criaram, um pouco por todo o lado, silos de armazenamento, comprando e armazenando cereais nos anos de grande produção e revendendo-os, mais caro, certamente, mas a um preço que continuava a ser bastante razoável, quando a colheita era má. Resultado: benefícios confortáveis para a Ordem, mas também uma ausência total de fome nas regiões em que estava implantada – e isso durante os dois séculos da sua existência. Para racionalizar a exploração das suas terras e direitos e maximizar o rendimento deles, o Templo não podia satisfazer-se com as doações que lhe eram feitas. Gerir terras dispersas não teria sido muito prático nem muito econômico. A Ordem inventou, portanto, a reconstrução.

Completou as suas propriedades mediante uma política de compras e permutas, procurando formar conjuntos coerentes para a exploração. Se havia direitos detidos por terceiros sobre as terras ou os bens que lhes haviam sido concedidos, tentava sempre comprar esses direitos, de modo a possuir um máximo de bens livres de quaisquer encargos. Quanto às terras mais isoladas ou menos interessantes que não se integravam no seio de uma exploração racional, não hesitava em livrar-se delas, quer trocando-as, quer cedendo a sua gestão. O objetivo era sempre, numa primeira fase, permitir à comendadoria viver em auto-subsistência e, em seguida, libertar o máximo de excedentes possível de modo a financiar o esforço de guerra no Oriente.

O poderio da Ordem inquietava várias personalidades e não era raro tentarem dissuadir as pessoas de doarem os seus bens ao Templo. Os monges-soldados não hesitavam, para atingirem os seus fins, em recorrer à artimanha. Utilizavam intermediários, verdadeiros testas de ferro, para comprarem os bens que cobiçavam que, em seguida, lhes eram revendidos. Na verdade, os Templários não eram os únicos que praticavam uma verdadeira política fundiária. Os seus amigos cistercienses eram um bocado parecidos com eles nessa matéria, mas procediam de forma menos sistemática. Desde o início que os Templários haviam tido consciência da importância das trocas comerciais para o desenvolvimento econômico.

A utilização destes termos pode parecer curiosa porque pertencem a um vocabulário moderno. No entanto, apesar das diferenças de épocas, são adequados, na medida em que a Ordem do Templo se comportou exatamente do mesmo modo que as multinacionais atuais. O recrutamento fora rápido, mas todos quantos se desejavam alistar nem sempre eram talhados para se converterem em soldados de elite. Havia, entre eles, burgueses e camponeses que raramente eram feitos cavaleiros e, depois, havia também que «reciclar» os feridos que já não mais podiam combater. Na maior parte das vezes, eram adstritos às comendas ocidentais onde se utilizavam, da melhor forma, os conhecimentos e competências de cada um deles. Encarregaram-se das plantações, da preparação dos solos férteis, do comércio. Havia poucos homens de armas nessas comendas, na maior parte das vezes, dois ou três cavaleiros e alguns sargentos, encarregados sobretudo do policiamento, isto é, da proteção das casas do Templo e das rotas utilizadas para o seu comércio.

Para além do Mestre e de alguns cavaleiros, a comendadoria abrigava geralmente um esmoler, um enfermeiro, um ecônomo, um recebedor dos direitos devidos ao Templo, alguns artesãos «irmãos de mestres», dirigidos por um «alveitar», um irmão responsável pela venda dos produtos, um capelão e um clérigo mais especialmente encarregado do correio e do equivalente aos atos notariais atuais. Juntavam-se-lhes criados e artesãos laicos que constituíam a «mesnada», a «gens» do Templo. Esta criadagem era bastante numerosa. Assim, em Baugy, no Calvados, compreendia um pastor, um vaqueiro, um porqueiro, um guardador dos frangos, um encarregado das florestas, dois porteiros e seis operários. É claro que a composição destes grupos dependia das explorações e da importância das terras possuídas porque, muitas vezes, os Templários tinham para gerir superfícies tão grandes como meia província, com quintas disseminadas, vilas fortificadas, múltiplas capelas para guarnecer, etc.


Na administração dos bens da Ordem, o ecônomo ou recebedor podia ser secundado por um tenente ou por um celeireiro. Os Templários sabiam empregar métodos racionais, mas isso não os impedia de se mostrarem pragmáticos e de se adaptarem aos hábitos locais. Isso era tanto mais necessário quanto empregavam uma mão-de-obra radicada no local: vilões ou servos. Estes últimos pertenciam-lhes muitas vezes, em consequência de doações ou heranças. Se alguns desses servos foram alforriados pelos Templários, tal não se deveu a razões humanitárias. Com efeito, os irmãos da Ordem possuíram inclusive escravos sem terem problemas de consciência. Acontecia comprarem-nos e venderem-nos. Tratava-se, geralmente, de prisioneiros mouros.

Em Aragão, cada comendadoria utilizava, em média, duas dezenas de escravos. Com efeito, os Templários submetiam-se às regras da região, sabendo muito bem que uma política demasiado liberal de alforria, por exemplo, poderia afastar deles uma nobreza que não teria desejado segui-los nesse campo e teria receado a expansão dessas medidas. Só utilizavam, portanto, os vilões naqueles locais onde isso não levantava qualquer problema mas, quando as condições se prestavam a tal, não hesitavam em alforriar os seus servos, porque se tinham dado conta de que os homens livres produziam nitidamente mais do que os outros. Amiúde, ensinavam aos seus camponeses novos métodos de exploração e, não querendo perder esse investimento em formação, como diriam os economistas modernos, obrigavam-nos por vezes a assinar contratos que os obrigavam a investir na exploração mediante obras de benfeitoria.

A partir de então, o vilão não se sentia tentado a ir-se embora, dado que pretendia recuperar os frutos dos seus esforços. Por este meio, o Templo estabilizava o seu pessoal e, ao mesmo tempo, organizava um sistema de investimento permanente que foi uma fonte importante de progresso para a agricultura europeia da época. Aos camponeses menos afortunados confiavam terras por arrendamento ou locação. Por vezes, nas regiões insuficientemente povoadas, deparavam-se-lhes dificuldades para assegurar a exploração das propriedades. Então, tinham de atrair cultivadores oferecendo-lhes vantagens especiais. Isso foi particularmente verdade na Península Ibérica, em relação às terras tomadas aos árabes. Chegaram mesmo a recorrer a muçulmanos para cultivarem e valorizarem as suas propriedades, mediante determinadas condições de submissão.

Assim, em Villastar, na fronteira do reino de Valência, pediram aos sarracenos expulsos pela reconquista cristã que regressassem. Para tal, em 1267, concederam-lhes um foral em que lhes garantiam o direito de praticarem o seu culto, os isentavam de rendas e foros (impostos) durante um determinado período de tempo, exigiam deles uma estrita neutralidade militar e pediam-lhes que jurassem fidelidade à Ordem do Templo. Que exemplo de política realista numa época que julgamos, por vezes, integralmente submetida a um ideal religioso! As comendas foram, realmente, centros de produção importantes e exemplos recolhidos no Sul e no Norte de França mostram-no bem.

Em Richerenches, na Provence, a generosidade de numerosas famílias da região permitira aos Templários possuírem um imenso domínio. Várias centenas de pessoas foram contratadas para desmatar o solo, secar as zonas pantanosas. Depois, criaram-se, nessas terras, milhares de cavalos e carneiros que viviam quase livres em imensas superfícies rodeadas por muros de pedras. A lã dos carneiros permitia a confecção de roupas que, depois, eram exportadas. As peles serviam para fabricar sacos, proteções, arreios. A carne dos carneiros era salgada ou defumada para ser conservada e enviada, nomeadamente, para a Terra Santa. A própria comendadoria estava instalada num quadrilátero com 74 m a norte, 81 m a sul, 58 m a leste e 55 m a oeste, rodeada por muralhas e torres. No interior, para além da comendadoria propriamente dita, encontravam-se uma capela e as oficinas onde se desenvolvia um artesanato que não tinha como única finalidade a satisfação das necessidades locais.

Os Templários de Richerenches tinham arranjado também os ribeiros e lagos próximos, o que lhes havia permitido ampliarem as suas pastagens e entregarem-se à piscicultura. Apreciadores de peixes e, muitas vezes, também da boa mesa, estes monges-soldados deixaram-nos até receitas de cozinha. É o caso desta, conservada numa crônica: “Uma bela solha de cinco a seis libras, esvaziada das entranhas, abundantemente lavada em água envinagrada, é recheada com tomilho, salva, louro, trufas e azeite. Cozinhada em forno muito quente durante uma hora, arrefecida no parapeito da janela e envolvida em gelatina, é cortada em fatias, como um patê…”


A COMENDA, POTÊNCIA ECONÔMICA E COMERCIAL
Já vimos que, para além da exploração agrícola, os Templários se faziam pagar pelos serviços, como os moinhos que afetavam e cuja utilização estava sujeita a foros. Era, aliás, um dos pecadilhos dos seus amigos cistercienses cujos mosteiros borguinhões, no século XIII, possuíam cada um, em média, uma dezena de moinhos. Azenhas (moinhos movidos pela força da água de um riacho), na maior parte dos casos, mas também moinhos de vento, serviam, é claro, para a moagem de cereais, o esmagamento das azeitonas e do miolo das nozes para a extração de óleo, mas também para tarefas artesanais e semi-industriais como o pisoar dos tecidos de lã. Por vezes, os Templários associavam tanarias aos seus moinhos ou aproveitavam-nos para criarem verdadeiras redes de irrigação.

Os outros agricultores podiam beneficiar-se delas, a troco de foros. Os Templários possuíam também fornos, mas é preciso notar que os direitos que obrigavam a pagar pela sua utilização eram geralmente menos elevados do que os dos outros proprietários, o que atraía para eles uma clientela fiel e lhes valia algumas inimizades entre os concorrentes. Os Templários recebiam ainda outros direitos. Para além dos dízimos, que já referimos, retiravam rendimentos das casas que arrendavam, bem como de lojas. Detinham, por vezes, os direitos sobre o conjunto das vendas nas feiras, nomeadamente em Provins, como lembra Bruno Lafille: “Não se vende, em Provins, nenhum novelo de lã, nenhuma meada de fio, nenhum colchão de penas, almofada, veículo ou roda sem que os Templários recolham um imposto sobre o preço de venda.”

Com efeito, o conde Henrique cedera-lhes, contra dez marcos e meio de prata, o imposto de lugar recebido quando das feiras. Em 1214, adquiriram também o imposto de lugar sobre os animais destinados ao matadouro. Recebiam, por fim, um direito sobre a pesagem das leis. A pedra de peso que servia de padrão de pesagem na cidade de Provins foi-lhes confiada e montaram dois estabelecimentos de pesagem: um, em Sainte-Croix, na cidade baixa, e outro em La Madeleine, na cidade alta. É difícil imaginar a riqueza que tudo isso representava na época. Em 1307, quando foi feito o inventário da casa dos Templários de Baugy, que era apenas um estabelecimento muito secundário e modesto, encontraram-se nada menos que: 14 vacas, 5 vacas leiteiras, 1 bezerro, 7 vitelas, 200 bois adultos, 100 carneiros, 180 ovelhas e cordeiros, 98 porcos e marrãs, 8 jumentos, 8 potros de mais de um ano, 4 potros de leite, 6 cavalos, tonéis de vinho e cerveja, silos cheios de trigo, frumento, aveia, celeiros cheios de feno e erva, três belas charruas e inúmeras alfaias para arar.

A riqueza agrícola das comendas devia-se, em grande parte, às extraordinárias qualidades de gestores dos Templários. Punha-os à frente daquilo a que poderíamos chamar um verdadeiro império financeiro, tanto mais que souberam também ser banqueiros, como veremos mais à frente. Mas utilizaram também a sua experiência para fazer progredir as técnicas da época. Nomeadamente, melhoraram as técnicas de armazenamento de grãos em silos, o que permitiu evitar, durante a existência da Ordem, todas as fomes. Estas reapareceram depois da extinção do Templo.

Em todo o caso, esta riqueza, legítima aos olhos de alguns, gerou todas as lendas escritas e faladas de tesouros escondidos nos locais das antigas comendas do Templo. É certo que só se empresta aos ricos, mas não esqueçamos que uma grande parte dessa riqueza era investida e que os excedentes serviam essencialmente para financiar o esforço de guerra no Oriente. Mesmo assim, todos têm o direito de sonhar ao descobrir esses subterrâneos de que as comendas eram, amiúde, dotadas. Louis Charpentier pensa que a sua entrada pode ser detectada em lugares, que, geralmente, têm nomes como Épine, Épinay, Pinay, Épinac, Belle-Épine, Courbe, Épine, etc.


Esses subterrâneos são, muitas vezes, difíceis de se encontrar, hoje em dia. Em parte soterrados ou inundados, o solo revolto nem sempre permite encontrar os seus vestígios. Mesmo assim, conseguiu-se desenterrar alguns, como em Dormelle, no Seine-et-Marne. Encontrou-se lá uma bela galeria com abóbada de berço, suficientemente grande para que três cavaleiros pudessem cavalgar nela, lado a lado. Dirigia-se para a comenda de Paley, situada a nove quilômetros. E por certo haverá outras mais sob o solo de França. Mas veremos um pouco mais à frente que, se os túneis subterrâneos existem mesmo e estão por vezes ligados a mistérios, não é apenas através das «épines» que podemos descobri-los, mas antes através de outras chaves, que são as de São Pedro.

Mais informações sobre os Templários:

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Posted by Thoth3126 on 27/11/2015


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ES: LLAMA VIOLETA

Novembro 22, 2015

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Os Cavaleiros Templários – História 

 Parte 3

Posted by Thoth3126 on 01/05/2015

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OS TEMPLÁRIOS, ESSES GRANDES GUERREIROS DE MANTOS BRANCOS COM CRUZES VERMELHAS – PARTE III


Os seus costumes, os seus ritos, os seus segredos:

Digam o que disserem determinados historiadores encastelados em sua erudição acadêmica, a criação da Ordem dos Cavaleiros Templários continua envolta em inúmeros mistérios; e o mesmo acontece com a realidade profunda da sua missão, não a que se tornou pública, mas a missão oculta. Inúmeros locais ocupados e ou de propriedade dos cavaleiros Templários apresentam particularidades estranhas.

Atribuíram-se aos monges-soldados crenças heréticas, cultos curiosos e às suas construções, principalmente a Catedral de Chartres, significados e até poderes fantásticos. A seu respeito, fala-se de gigantescos tesouros escondidos (sendo o maior deles o CONHECIMENTO), de segredos ciosamente preservados e de muitas outras coisas.

Edição e imagens: Thoth3126@gmail.com

SÃO BERNARDO E OS MONGES-GUERREIROS – Livro de Michel Lamy – Capítulo III

Capítulos anteriores em:
http://thoth3126.com.br/os-cavaleiros-templarios-historia-parte-1/
http://thoth3126.com.br/os-cavaleiros-templarios-historia-parte-2/

OBTER UMA REGRA

Em 1127, quando Hugues de Payns regressou ao Ocidente em missão especial, encontrava-se acompanhado por mais cinco Templários. Ora, ainda eram apenas nove, ou talvez dez. Logo, tinham ficado apenas três ou quatro no Oriente (Jerusalém) para assegurarem a prometida proteção dos peregrinos europeus em visita à terra santa. Mesmo que tivessem junto deles alguns sargentos de armas, a hoste deveria ser bem magra no caso de um encontro com o inimigo muçulmano. Decididamente, essa missão era muito mal desempenhada.

Este prova insofismavelmente apenas que a “proteção” aos peregrinos se tratava de um «disfarce». Aliás, houve que esperar até 1129 para se ver os Templários enfrentarem pela primeira vez os infiéis muçulmanos em combate. Isso não impediu os modestos guardiões do desfiladeiro de Athlit de se verem chamados «ilustres pelas suas façanhas guerreiras» inspiradas diretamente por Deus, e isso ainda antes de se terem batido verdadeiramente.



A propaganda não é, por certo, uma invenção moderna, mas, este exemplo é especialmente interessante. Mostra que a publicidade que lhes foi feita não se baseava numa realidade e se integrava, deliberadamente, naquilo que podemos considerar uma segunda fase da Ordem: o seu desenvolvimento e a sua transformação numa ordem militar. Do pequeno número de afiliados discretamente ocupados com a descoberta de segredos importantes no local do antigo templo de Salomão, passava-se à procura do poder, o que indica que as pesquisas tinham, sem dúvida, dado os seus frutos e estavam concluídas. Convinha, desde logo, pôr em execução a política que elas tivessem sugerido e podemos perguntar-nos se, a partir desse momento, não existiu uma vontade de criar uma espécie de poder sinárquico que se sobreporia aos reinos.

Hugues de Payns parou em Roma, antes de seguir para Champagne. Ali, encontrou-se com o papa Honório II (1124-1130) que se interessava muito pela nascente Ordem do Templo. Em Janeiro de 1128, Hugues de Payns encontrava-se em Troyes para participar no concílio onde foi proposto se adotar uma regra especial para a Ordem do Templo. O texto, nas suas linhas gerais, fora elaborado em Jerusalém. Tratava-se também de dar a conhecer a Ordem, de começar a recrutar, recolher dádivas, estimular a fundação do poder futuro do Templo. Hugues de Payns tinha no bolso a carta de recomendação do rei de Jerusalém, Balduíno II; que sem dúvida financiara a viagem. Dirigia-se a São Bernardo e pedia-lhe que desse o maior apoio aos projetos de Hugues de Payns e dos seus companheiros. Pelo seu lado, o patriarca de Jerusalém pedia ao papa a concessão de uma regra especial a esses monges. A carta de Balduíno II a São Bernardo referia:

“Os irmãos Templários, que Deus inspirou para a defesa desta província e protegeu de uma forma notável, desejam obter a confirmação apostólica bem como uma regra de conduta. Devido a isso, enviamos André e Gondemar, ilustres devido às suas proezas guerreiras e pela nobreza do seu sangue, para que solicitem ao Soberano Pontífice a aprovação da sua ordem e se esforcem por obter dele subsídios e ajudas contra os inimigos da fé, coligados para nos suplantarem e derrubarem o nosso reino. Sabendo bem quanto peso poderá ter a vossa intercessão, tanto junto de Deus como do seu vigário e dos outros príncipes ortodoxos da Europa, confiamos à vossa prudência esta dupla missão cujo êxito nos será muito agradável. Fundamentai as constituições dos Templários de tal forma que eles se não afastem dos ruídos e dos tumultos da guerra e continuem a ser os auxiliares úteis dos príncipes cristãos… Fazei de maneira que possamos, se Deus o permitir, ver em breve uma conclusão feliz desta questão. Dirigi por nós orações a Deus. Que Ele vos tenha na Sua Santa Guarda”.

São Bernardo

Bernardo de Clairvaux deveria, efetivamente, desempenhar um papel importante no progresso da Ordem. Convém nos deter um pouco nesta personagem sobre a qual Marie-Madeleine David escreve: “Bernardo é o homem mais representativo do renascimento do século XII.” Nascido no final do século XI, em 1090, e falecido em 1153, insere-se em plena época de fecundidade intelectual e de transformações econômicas e sociais. Nascido no castelo de Fontaine, a noroeste de Dijon, era o terceiro filho da Dwna Aleth. Antes do seu nascimento, a sua mãe tivera sonhos curiosos. Via o seu futuro filho sob a forma de um cãozinho que ladrava furiosamente. Inquieta, abrira-se com um religioso que a acalmara afirmando-lhe que, mais tarde, o seu filho apenas ladraria para defender a Igreja. O pai de Bernardo, Tescelin, era senhor do castelo de Fontaine e os seus compatriotas tinham-no apelidado de «o baio», porque era loiro-arruivado. Tinha a fama de ser um homem de honra, corajoso e fiel ao seu suserano, o duque da Borgonha.

Aleth, que era filha do duque de Montbard, velara para que o seu filho Bernardo recebesse uma boa educação. Confiara-o, pois, aos cônegos de Saint-Vorles, em Châtillon-sur-Seine. Eles haviam-lhe ensinado o trivium (gramática, retórica, dialética) e o quadrivium (aritmética, música, geometria, astronomia) e tinham-no obrigado a ler Cícero, Virgílio, Ovídio, Horácio. Também o tinham ajudado a vencer uma timidez quase doentia. Foi na igreja de Saint-Vorles que caiu em êxtase perante Maria, vendo aquela «imagem da Mãe de Deus, feita de uma madeira que a idade escureceu mais do que o sol». Fora essa VIRGEM NEGRA de madeira que, miraculosamente, teria apertado o seu seio, de modo que teriam caído três gotas de leite nos lábios de Bernardo.


Nossa Senhora do Pilar, a Virgem Negra, encontrada no interior da Catedral de Chartres, construída pelos Templários

Os seus contemporâneos descreviam o jovem Bernardo como belo, esbelto, com uma cabeleira revolta, um olhar que se impunha. Mas essa beleza não era para as mulheres, porque pretendia preservar a sua castidade. Um dia, pensando que olhara uma mulher com demasiada complacência, fora mergulhar num lago gelado para apagar o desejo que sentia crescer dentro de si. Do mesmo modo, tratara com desprezo uma outra mulher que viera meter-se, nua, na sua cama. Pelo menos, é o que conta a sua lenda dourada.

De qualquer modo, escolheu o claustro que comparava à escola de Deus. Robert Thomas lembra-nos como São Bernardo via os monges: “Tal como os anjos, vivem puros e castos; tal como os profetas, elevam os seus pensamentos acima das coisas da terra; tal como os apóstolos, deixam tudo e vão ouvir a palavra do Mestre, recordá-la nos seus corações, esforçar-se por a guardar, por a pôr em prática. Cada mosteiro será uma escola onde Jesus ensina.” São Bernardo escolheu a Abadia de Cister onde entrou, no tempo do abade Estêvão Harding, com cerca de trinta companheiros que mais ou menos arrastara consigo. Definia-se como alguém que procurava Deus e pensava que, neste caso, «quem procura, encontra». Era exigente com os outros mas, antes de mais nada, era exigente consigo mesmo.

Recusava-se a respeitar apenas o voto de obediência que lhe não parecia um compromisso suficiente. Era necessário ir além disso. Não podia compreender que um monge se fizesse pelo mínimo obrigatório. Escrevia: “A obediência perfeita ignora o que é apenas uma lei, não está encerrada em limites; a vontade ávida estende-se até aos limites da caridade, entrega-se por si mesma a tudo o que lhe é proposto e, com o fervor de uma alma ardente e generosa, vai sempre em frente, sem ter em conta limites ou medidas. Para ele «a medida de amar a Deus é amar sem medida».”

Bernardo não se contentava com meditar, adorar. Estudava também. Lia as escrituras, comentava-as, dissecava-as, até, procurando ir até à fonte em vez de se limitar aos comentadores precedentes. O que estava em jogo em tudo isto: conhecer-se a si mesmo e conhecer Deus. Mas conhecer-se consiste também em descobrir quão insignificante se é. No entanto, a sua atitude na vida desmentiu, amiúde, essa aparente humildade. São Bernardo, o admirado e o temido Bernardo de Clairvaux em breve se tornou notado e foi a ele que se confiou a fundação da abadia de Clairvaux, em 1115, num local que tinha o belo nome de Vale de Absinto. Afirmou-se lá e continuou a pregar a humildade, e nem por isso deixou de ser cada vez mais seguro de si, a tal ponto que é necessário ser um hagiógrafo para negar o orgulho de São Bernardo. Afirmava: “Os assuntos de Deus são meus e nada do que lhe diz respeito é estranho para mim.”

O que é mais extraordinário é que, em seu redor, todos achavam isso normal de tal modo a sua personalidade era, ao mesmo tempo, forte e sedutora. Estava dotado de uma energia e de uma vontade sem titubeios, daquelas que fazem vergar as pessoas em seu redor. Para além da autoridade e da violência verbal, sabia manejar também a delicadeza e a persuasão. Bernardo foi um ser dúplice, dividido entre a meditação e a ação. Tão depressa arrastava os irmãos, repreendia os grandes, influenciava a política de todo o Ocidente, como se retirava para uma choupana e se entregava a mortificações até esgotar o seu corpo e o tornar doente, «semelhante a um arco que, depois de ter sido distendido, retesado de novo, recupera toda a sua força: como uma torrente retida por uma barragem que, liberta, retoma a impetuosidade do seu curso, regressa às suas práticas, como se tivesse pretendido castigar-se por esse repouso, e reparar as perdas da ascese interrompida».

Robert Thomas escreveu: “Uma saúde arruinada, um corpo extenuado, uma alma que, até ao fim, será senhora daquele corpo e lhe fará a vida dura, assim foi Bernardo.” Dedicou-se à Ordem de Cluny para a qual defendeu uma reforma monástica. Acusava os monges clunicenses de terem costumes dissolutos. Compreenderemos facilmente, com base nisso, que São Bernardo não defendesse para os a Ordem dos Cavaleiros Templários uma regra especialmente suave e que se esforçasse para os tornar aguerridos através da própria dureza da vida que deveriam levar. Bernardo foi também quem lutou contra Abelardo, até o ter derrubado, aniquilado social e psicologicamente. Abelardo era um mestre com uma inteligência notável que ensinava uma juventude estudantil que o adulava.


Bernardo de Clarivaux

Dialético brilhante, gostava das lides oratórias mais por elas mesmas do que pelo seu conteúdo. Tinha uma tendência nítida para o racionalismo e não admitia que, para um problema religioso, a única resposta avançada fosse: é um mistério. Crer e não discutir era inconcebível para ele. Bernardo considerava perigoso o seu ensino, tanto mais pernicioso quanto as suas teses eram, amiúde, sedutoras. Opôs-se-lhe violentamente e redigiu um tratado dos erros de Abelardo que dirigiu ao papa Inocêncio III. Não parou enquanto não conseguiu condena-lo. A esse respeito, Dom Jean Leclerq escreveu: “Esse excesso de injúrias, de acusações baseadas em denúncias sumárias, traía, em São Bernardo, uma paixão mal dominada.” Este episódio não é, certamente, o mais glorioso da vida de São Bernardo.

O culto da Dama Celeste

Bernardo teve também um amor louco por Maria, mãe de Jesus Cristo embora tenha escrito muito menos sobre esse tema do que acerca de outros. As poucas páginas que
deixou sobre a Virgem ressumam literalmente fervor e amor. Inventou uma oração a Maria, na qual ela aparece como a «Rainha» da Salve Regina (rainha em latim), que intercede em prol dos homens, junto de Cristo, a Virgem coroada que aceitou a provação desejada por Deus, triunfou sobre ela, é capaz de mostrar o caminho aos homens. A devoção de Bernardo à Virgem parece profunda, o que não é tão habitual na sua época. Daí, poderemos imaginar que não tenha sido alheio à veneração que os Templários sempre tiveram por Nossa Senhora. Todavia, tenhamos cautela porque talvez se tenha tendência para atribuir uma importância desmesurada a São Bernardo, a partir do momento em que se trata dos Templários.

Baseando-nos nos depoimentos prestados por estes últimos no seu processo – dois séculos mais tarde – poderíamos pensar que fora o próprio Bernardo quem redigira a sua regra. Na verdade, mesmo que seja quase certo que meteu a sua mão na tarefa, deve ter trabalhado a partir de um texto prévio redigido pelo patriarca de Jerusalém, Estêvão de La Ferté. O que é certo é que tornou mais fácil a sua aprovação e, nesse sentido pelo menos, os Templários deveram-lhe a sua regra. Assim, Bernardo enviou uma carta a Thibaut de Champagne, dizendo-lhe: “Dignai mostrar-vos cheio de solicitude e de submissão pelo legado, em reconhecimento por ter escolhido a vossa cidade de Troyes para a realização de um grande concílio, e dignai-vos dar o vosso apoio e a vossa assistência às medidas e resoluções que este julgar convenientes no interesse do bem.”

O pedido não está isento de uma certa firmeza. No entanto, por detrás de um São Bernardo aparentemente na primeira linha, esconde-se talvez uma outra personagem cuja importância, nos bastidores do Templo, nos parece considerável. Estêvão Harding e a tradição hebraica Podemos interrogar-nos quanto ao fato de saber quem foi, quanto ao fundo, a personagem mais importante para a constituição da Ordem do Templo: São Bernardo ou Estêvão Harding, abade de Cister, que congeminara tudo, desde o início, com Hugues de Champagne?

Inglês de origem, Estêvão Harding fora, inicialmente, monge no mosteiro de Sherbone. Depois, prosseguira estudos na Escócia e, em seguida, em Paris e em Roma. Marion Melville lembra o que dele dizia Guillaume de Malmes: “Sabia casar o conhecimento das letras com a devoção; era cortês nas suas palavras, risonho no rosto: o seu espírito rejubilava sempre no Senhor.” Depois de uma passagem por Molesmes, fundara a Abadia de Cister. Alguns anos mais tarde, tornara-se o seu terceiro abade. Estêvão Harding acumulara quase todos os conhecimentos intelectuais que podiam adquirir-se nessa época. Reformou a liturgia e fez da sua abadia um centro cultural único. Empreendeu um trabalho gigantesco: a redação da Bíblia de Cister, com um espírito de correção crítica notável.

Para o ajudarem, recorrera a sábios judeus. De acordo com as suas observações, mandou efetuar duzentas e noventa correções e cinco versículos completos de Samuel foram completamente reescritos. Findo isso, Estêvão Harding proibiu que se tocasse numa só palavra daquela Bíblia. Daniel Réju refere que uma personagem curiosa vivia então em Troyes: o rabino Salomon Rachi (1040-1105). Foi considerado o maior exegeta dos textos hebraicos e o principal comentador e intérprete do Talmude. Analisava sempre os textos a três níveis: literal, moral e alegórico.É difícil saber se Estêvão Harding conheceu pessoalmente Rachi, dado que este morreu em Praga, em 1105. Em todo o caso, é bastante provável que os seus genros tenham vindo trabalhar para Cister, ao lado dos monges, para facilitar a tradução de documentos sagrados especialmente difíceis de interpretar. Por este meio indireto, os Templários beneficiaram de um apoio extremamente importante para a pesquisa que pareciam estar a levando a cabo no Ocidente.


Bernardo e os cavaleiros da Ordem do Templo prestavam e rendiam culto (em segredo) ao poder feminino da divindade

São Bernardo partilhou, sem dúvida, o interesse de Estêvão Harding pelos textos hebraicos, embora as provas sejam escassas. Em todo o caso, ergueu-se muitas vezes contra as perseguições que os judeus tiveram de sofrer um pouco por toda a Europa. Fustigou os autores dos pogroms e manifestou bastante mais indulgência religiosa pelos judeus do que pelos cátaros.

O concílio de Troyes: para uma regra feita sob medida para a Ordem do Cavaleiros Templários é claro que Estêvão Harding participou no concílio de Troyes, mas teria sido por qualquer coisa relacionada com a redação da regra? Isso é mais difícil de dizer. Alguns quiseram ver nesse texto uma espécie de cópia das regras de vida observadas pelos essênios, no tempo de Cristo. Mas que se sabia, no século XII, sobre esses essênios que nos foram sobretudo revelados graças à descoberta dos manuscritos do mar Morto, em Qumran? Seriam veiculadas tradições a eles respeitantes nos meios judaizantes? Teriam os próprios Templários descoberto, por acaso, documentos essênios nas suas escavações em Jerusalém? Por certo temos de relegar isto para o campo das simples conjecturas.

Em todo o caso, o concílio de Troyes reuniu-se «no dia da festa do Senhor Santo Hilário, no ano da Encarnação de Jesus Cristo de 1128, ao nono ano do início da supramencionada ordem de cavalaria». A assembleia consular foi presidida pelo legado do papa: Mathieu d’Albano. Assistiram a ela os bispos de Sens, Reims, Chartres, Soissons, Paris, Troyes, Orléans, Auxerre, Meaux, Châlons-sur-Marne, Laon, Beauvais. Encontravam-se também presentes vários abades, entre os quais Estêvão Harding, é claro, e leigos como Thibaud de Champagne e o conde de Nevers. Entre todas estas personagens, algumas eram amigas de São Bernardo. Logo no prólogo da regra, apercebemo-nos de que a publicidade da Ordem estava pronta para favorecer o seu progresso e que o conjunto se inseria num plano deliberado, a longo prazo.

Pode ler-se: “Falamos, em primeiro lugar, a todos quantos desprezam ir atrás das suas próprias vontades e desejam, com pura coragem, servir como cavalaria ao soberano-rei, e com um desvelo aplicado desejam vestir e vestem perpetuamente a muito nobre armadura da obediência. E, portanto, admoestamo-vos – a vós que haveis seguido, até agora, secular cavalaria na qual Jesus Cristo não tomou parte, mas que seguistes apenas por favor humano – a seguir aqueles que Deus escolheu da massa da perdição e ordenou, pela sua agradável piedade, para a defesa da Santa
Igreja, e a que vos apresseis a juntar-vos a eles perpetuamente […].”

Hugues de Payns expôs, perante a douta assembleia, as necessidades da Ordem, tal como as concebia. Depois, o texto foi estudado e discutido, artigo após artigo. A regra latina que daí resultou compreendia setenta e dois artigos. Tudo, ou quase tudo, estava previsto nela: os deveres religiosos dos irmãos, os regulamentos que fixavam os atos quotidianos (refeições, distribuição de esmolas, vestes, armamento, etc.), as obrigações dos irmãos uns em relação aos outros, as relações hierárquicas… A preocupação com o pormenor foi levada muito longe, dado que se decidia nela como seriam feitos os sapatos, como se cortariam os bigodes, o número de orações a recitar nesta ou naquela ocasião, etc.

Tratava-se de adaptar uma regra monástica aos imperativos com que os guerreiros se deparavam. Aos Templários, por exemplo, não podiam ser impostos jejuns tão severos como nas outras ordens, senão como teriam forças para entrarem em combate? Pela mesma razão, um monge fatigado era dispensado de satisfazer todas as suas obrigações de oração: precisavam descansar para reconstituírem as suas forças de guerreiros. Mesmo assim, a obediência ao Mestre devia ser absoluta, militar. A regra foi rapidamente complementada por várias bulas pontificais, bem como pelos «Retrais» que desenvolveram, nomeadamente, tudo o que se relacionava com a disciplina e as sanções eventuais e que enumeraram o conjunto dos deveres aos quais cada um dos cavaleiros Templários estava submetido.

A regra foi traduzida para o francês, em 1140, e recebeu, nessa altura, algumas modificações. Nomeadamente, o novo texto recomendava que se atraíssem os excomungados para a Ordem, para sua redenção. Com efeito, o artigo diz: “Lá onde souberdes que se reúnem cavaleiros EXCOMUNGADOS, é lá que vos ordenemos para que ides, e se houver entre eles quem queira ir juntar-se à cavalaria de Além-Mar, não devereis esperar o lucro temporal tanto quanto a salvação eterna da sua alma, quando o texto da regra latina afirmava: «Lá onde souberdes que se reúnem cavaleiros NÃO EXCOMUNGADOS…», isto é, precisamente o inverso…” Erro de copista? É o que pensa a maior parte dos comentadores, mas é impossível porque outras passagens da regra latina que proibiam o convívio com homens excomungados foram modificadas. Tratava-se, pois, de uma alteração voluntária – e importante – a que teremos ocasião de voltar.



Aliás, outras alterações tinham sido introduzidas sem sequer esperar pela redação da regra em francês. Quando Hugues de Payns regressou ao Ocidente, o patriarca de Jerusalém revira doze artigos e acrescentara vinte e quatro, entre os quais o fato de reservar o manto branco com a cruz vermelha da Ordem apenas aos cavaleiros. Na realidade, a versão latina e a versão francesa parecem corresponder a duas lógicas diferentes, em vários pontos. O concílio de Troyes dissera que deixava ao papa e ao patriarca de Jerusalém o cuidado de aperfeiçoarem a regra de acordo com as necessidades da Ordem no Oriente. Foi, aliás, essencialmente a partir de 1163, após a publicação da bula Omne Datum Optimum, que todos esses regulamentos foram fixados definitivamente. Esse texto reforçava ainda mais os poderes da Ordem e do seu Grão-Mestre.

Ele autorizava os Templários a conservarem para si mesmos o saque tomado dos Sarracenos, colocava a Ordem sob a tutela exclusiva do papa, permitindo-lhe assim escapar a qualquer outra forma de poder da Igreja, incluindo o do patriarca de Jerusalém. Quando sabemos, por exemplo, que a nomeação dos bispos dependia em grande medida do rei e do poder político em geral, compreendemos a importância de uma tal medida, dado que protegia os Templários de qualquer ingerência a esse nível e dava-lhes, até certo ponto, um estatuto internacional. A bula confirmava, ademais, que os bens da Ordem estavam isentos de dízimo; em contrapartida, com a anuência do bispo local, os Templários tinham o direito de lançar o dízimo em proveito próprio. Por outro lado, o texto proibia que os Templários fossem submetidos a juramento e estipulava que apenas os irmãos da Ordem podiam participar na eleição do Grão-Mestre.

A bula fixava e condensava os estatutos da Ordem e proibia a quem quer que fosse, eclesiástico ou não, de alterar alguma coisa neles. Permitia, por fim, que o Templo tivesse os seus próprios capelães, junto dos quais os irmãos podiam confessar-se sem terem de recorrer a uma pessoa exterior à Ordem, e construíssem capelas e oratórios privados. Ademais, eram os únicos que podiam utilizar as igrejas e capelas das paróquias excomungadas. Assim, a Ordem do Templo encontrava-se perfeitamente autônoma, sem que ninguém, a não ser o papa – mas teria ele esse poder? -, pudesse imiscuir-se nos seus assuntos.

Esta independência era uma realidade, tanto no campo econômico como no da organização militar ou no campo espiritual e ritual. Tudo se passou como se se tivesse deixado aos Templários o cuidado de manter e preservarem segredos, evitando-lhes terem necessidade do que quer que fosse exterior à Ordem, mesmo que fosse para se confessarem. Não deveremos ver aí, se não a prova, pelo menos um indício importante que confirma a existência de um «monumental segredo» da Ordem, sem dúvida relacionado com as descobertas com as escavações feitas em Jerusalém durante quase dez anos?

O monge e o guerreiro ou a teologia da guerra

O Templo não tinha nada que ver com uma ordem religiosa tradicional normal. Os seus privilégios eram exorbitantes, quer se tratasse do poder de decisão, de independência, organização, ou da criação de um potentado financeiro e econômico, em sentido amplo. Os cavaleiros cultivavam a pobreza pessoal, mas a Ordem via serem-lhe conferidas todas as possibilidades para se tornar extremamente rica e, de certa forma, rica a expensas do resto da Igreja, dado que estava isenta de dízimo. Isto era justificado pela necessidade, para a Ordem, de manter um verdadeiro exército na Terra Santa, mas, ao mesmo tempo, o fato de ser uma ordem militar, com o que isso representa em termos de poderio, poderia tornar esse um privilégio suplementar. Aliás, isso levantava um problema terrível: não deveria considerar-se que existia incompatibilidade entre as funções de monge e as de soldado?

Não deveria ver-se nas noções de procura da santidade e procura cavaleiresca duas éticas radicalmente opostas? Demurger escreve, a este propósito: “Para as conciliar, era necessária uma evolução espiritual considerável, a mesma, aliás, que permitiu a cruzada. A Igreja teve de modificar a sua concepção da teologia da guerra. Teve de aceitar a cavalaria e arranjar-lhe um lugar na sociedade cristã, na ordem do mundo desejada por Deus.” O cristianismo primitivo é representado amiúde como condenando toda a guerra e toda a violência. Preconizava, como única resposta, o amor e apenas o amor, mesmo em caso de agressão. Segundo Mateus, quando Pedro puxou da espada para cortar a orelha do criado do Grão-Sacerdote, não lhe disse Cristo: «Embainha a tua espada, porque aqueles que matam com a espada morrerão pela espada»? Numa abordagem destas, não há lugar para a batalha, mesmo de modo defensivo. Mas as coisas não são assim tão simples. Em primeiro lugar, a censura feita a Pedro é relatada de uma forma muito diferente pelos outros evangelistas.



Marcos não relata esta frase e Lucas contenta-se com pôr Jesus a dizer: «Basta» e com fazê-lo curar a orelha ferida. Quanto a São João, atribui a Jesus esta reflexão: «Embainha a tua espada. Não beberei eu o cálice que o meu Pai me deu?», o que é o sinal da aceitação do seu destino, por Cristo, da sua submissão ao necessário sacrifício, e não de uma censura a São Pedro. Por outro lado, noutra ocasião, o próprio Mateus refere uma outra palavra de Cristo: “Não julgueis que vim trazer a paz à Terra; não vim trazer a paz, mas sim a espada.” Do mesmo modo, encontramos no evangelho apócrifo de São Tomás: “Por certo que os homens pensam que vim para lançar a paz sobre o Universo. Mas eles não sabem que vim para lançar, sobre a Terra, as discórdias, o fogo, a espada, a guerra.” Paul du Breuil vê aí uma alusão de Cristo à extrema subversão de toda a verdade.

Os teólogos não estavam, portanto, desprovidos de recursos para justificar atos guerreiros. No entanto, era necessário escorar, mediante uma verdadeira teologia da guerra, escolhas que teriam podido lançar a perturbação nos espíritos. Evitou-se, portanto, considerar o fenômeno em si mesmo, para, atribuindo apenas interesse às suas razões, se chegar a uma noção de guerra justa. Bater-se para se apoderar das riquezas de outrem ou por simples bravata não podia ser admitido, mas bater-se para se defender ou salvar os seus, para manter o direito e a ordem, tornou-se legítimo, desde que todos os outros métodos estivessem esgotados.

Santo Agostinho foi, sem dúvida, o primeiro a elaborar uma teologia da guerra justa:
“São chamadas justas todas as guerras que vingam as injustiças, quando um povo e um Estado, a quem a guerra deve ser feita, descurou de punir os delitos dos seus ou de restituir o que foi roubado por meio dessas injustiças.” Escrevia também: “O soldado que mata o inimigo, tal como o juiz ou o carrasco que executam o criminoso, em meu entender, não pecam, porque, ao agirem assim, obedecem à lei.” Santo Agostinho dizia também: «Devemos querer a paz e fazer apenas a guerra por necessidade, porque não procuramos a paz para preparar a guerra, mas fazemos a guerra para obter a paz. Sede, pois, pacíficos, mesmo ao combaterdes, a fim de trazerdes, pela vitória, aqueles que combateis à felicidade da paz.»

Demurger assinala que, no século VIII, Santo Isidoro de Sevilha acrescentou, a esta definição, uma precisão capital: “É justa a guerra que é feita após advertência para recuperar bens ou para repelir inimigos.” Isto irá permitir justificar as cruzadas, enquanto recuperação dos lugares santos. Era preciso, a todo o preço, mesmo que fosse o de uma guerra, manter na terra a ordem desejada por Deus. Recusar a violência teria tido como consequência um recuo do cristianismo e teria feito o jogo do demônio, entregando-lhe populações cujas almas se teriam perdido. A partir de então, passou-se rapidamente da noção de guerra justa à de guerra santa. Tratava-se de defender o único Deus verdadeiro e a fé do seu povo. O guerreiro batia-se por Cristo, defendendo o cristão contra o infiel. Devia até permitir que os povos pudessem receber o ensinamento da «verdadeira fé» e converter-se, uma vez destruído o poder dos seus antigos amos.

A guerra santa

A noção de guerra santa era, aliás, bem conhecida no Oriente. No entanto, continuava, em teoria, muito ligada espiritualmente à purificação interior, e isso tanto nas doutrinas essênias ou zoroastrianas como na jihad islâmica. A espiritualidade do monge e o papel do guerreiro haviam sido conciliados, tanto quanto possível, no islamismo, antes de o serem no cristianismo. Assim, os muçulmanos rabitas da Espanha, que levavam uma vida muito austera e faziam voto de defender as fronteiras contra os cavaleiros cristãos, preferiam morrer a recuar. E não é a única aproximação que pode fazer-se entre as concepções guerreiras no Oriente e no Ocidente. Vemos bem quais os desvios que a noção de guerra santa podia trazer, dado que fazia desaparecer a de guerra justa, defensiva.

Doravante, podia-se, em nome de Deus, levar a cabo guerras de conquista sob a única condição de que os territórios envolvidos fossem povoados por heréticos, pagãos ou infiéis. Esta concepção serviu para justificar, um pouco mais tarde, a cruzada contra os Albigenses. Não passou de uma maneira de os barões do norte rapinarem o Languedoc, sob o pretexto de uma guerra santa contra os cátaros, declarados heréticos. Foram, aliás, os monges de Cister que pregaram esta pseudo-cruzada, com o apoio de São Bernardo. Nota: Na verdade, esta cruzada começou cerca de cinquenta anos depois da morte de São Bernardo. Bernardo foi para o Languedoc, esperando trazer os heréticos de volta ao caminho reto. Encontrou diferentes recepções, caracterizadas, na maior parte das vezes, pela indiferença, e até enervamento, da população.

Por vezes, foi mesmo recebido à pedrada, o que tinha o condão de o exasperar ao ponto de se dirigir a Deus a fim de que este fizesse secar a região. Acontece que, tendo perdido toda a esperança de converter esses hereges obstinados, Bernardo pensou que só restava reduzi-los por meio da espada e do fogo das fogueiras. E foi um cisterciense que, segundo se diz, exclamou em Béziers, quando foi levantada a questão de saber como se distinguiriam, na população, os cátaros dos bons católicos: «Matem-nos a todos, Deus reconhecerá os seus.»



Tudo isto ilustra os desvios possíveis de uma teologia da guerra. Todavia, será forçoso reconhecer que a Igreja não podia opor-se à luta contra a insegurança. Eram, pois, necessários homens armados para policiarem, para se oporem aos bandos inimigos, vindos para pilhar. Ora, dado que esses homens de armas, esses defensores, eram muitas vezes tentados a tornarem-se, por sua vez, saqueadores, violadores, era indispensável «moralizar» a função de soldado. Talvez tenha muito bem sido desta idéia que nasceu a Cavalaria, com o seu código de honra que se julgava impedir os exageros. Aquele que era armado cavaleiro jurava bater-se apenas por causas justas. Não se trata de uma ideia muito original, dado que já era aplicada no IRÃ, muito antes das cruzadas. Segundo Paul du Breuil, «os Persas tinham constituído uma instituição, a fotowwat – substantivo que significa, em sentido próprio, liberdade, generosidade, abnegação – que caracterizava bem uma espécie de confraria cujo grau de fato era conferido pelos sheiks, senhores ou mestres de sociedades iniciáticas».

Completou o seu arsenal de luta contra a violência impondo períodos de sossego. A introdução do sistema cavaleiresco permitiu à Igreja atalhar o mal.: as «tréguas de Deus». Multiplicou, por ocasião das festas religiosas, os períodos durante os quais qualquer combate era proibido. Devia fazer também que o cavaleiro não se desviasse do papel que lhe era atribuído. Para tal, possuía uma arma temível: a excomunhão e, para as faltas menos graves, a peregrinação penitencial. Eis o princípio geral de coexistência de uma sociedade religiosa e de uma sociedade guerreira. Mas estamos longe desse equilíbrio precário devido ao fato de se misturarem completamente as funções de monge e de guerreiro. Quando o braço que abençoa é o mesmo que mata, há razões para surgirem alguns problemas de consciência.

São Bernardo, sargento recrutador dos monges-guerreiros

Na época, alguns insurgiram-se contra a criação de uma ordem militar. Assim o testemunha a carta enviada a Hugues de Payns pelo prior da Grande Cartuxa, Guigues: “Não saberíamos, na verdade, exortar-vos às guerras materiais e aos combates visíveis; também não somos mais aptos para vos inflamar para as lutas do espírito, a nossa ocupação de cada dia, mas desejamos, pelo menos, alertar-vos para que penseis nisso. Com efeito, é vão atacar os inimigos externos, se não dominamos, antes de mais nada, os inimigos do nosso próprio interior…” Nota: É precisamente esse o sentido da Jihad islâmica:

“Façamos, antes de mais, a nossa primeira e própria conquista, amigos muito caros, e poderemos em seguida combater com segurança os nossos inimigos de fora. Purifiquemos as nossas almas dos seus vícios, e poderemos depois purgar a terra dos bárbaros. Porque não é contra adversários de carne e sangue que temos de lutar, mas contra os principados, os poderes, contra os que governam este mundo de trevas, contra os espíritos do mal que habitam os espaços celestes, isto é, contra os vícios e os seus instigadores, os demônios”.

Estas críticas chegarão, por vezes, a fazer duvidar os próprios Templários, e Hugues de Payns teve de lembrar, numa carta dirigida aos primeiros dentre eles, que se tratava de uma necessidade. Tentando dissipar as suas dúvidas, escrevia:

“Vede, irmãos, como o inimigo, sob o pretexto da piedade, se esforça por vos conduzir à armadilha do erro. Oh trombeta inimiga, quando te calarás? Como é que o anjo de Satã se transforma em anjo de luz? Se o diabo aconselhasse a desejar as pompas do mundo, reconhecê-lo-íamos facilmente. Mas ele diz aos soldados de Cristo que deponham as armas, que deixem de fazer a guerra, que fujam do tumulto, que façam um qualquer recuo de modo que, apresentando uma falsa aparência de humildade, dissipa a verdadeira humildade. Com efeito, que é ser orgulhoso senão não obedecer ao que nos é ordenado por Deus? Tendo abanado deste modo os superiores, Satã volta-se para os inferiores, para os derrotar.”

“Por que razão”, diz ele, “trabalhais inutilmente? Por que razão despender em vão um tal esforço? Esses homens que servis obrigam-vos a participar no seu labor, mas não querem admitir-vos na participação da fraternidade (confraria). Quando vêm até aos soldados do Templo as saudações dos fiéis, quando são feitas orações no mundo inteiro pelos soldados do Templo, não se faz qualquer menção a vós, nenhuma lembrança. E quando quase todo o trabalho corporal vos incumbe, todo o fruto espiritual se repercute neles. Retirai-vos pois dessa sociedade e oferecei o sacrifício do vosso trabalho noutro local onde o zelo do vosso fervor seja manifesto e frutuoso.”

O Grão-Mestre da Ordem dos Cavaleiros Templários respondia assim também às tentativas de provocar a deserção dos homens que serviam o Templo sem serem cavaleiros. Hugues de Payns compreendera bem onde se encontravam os pontos fracos da Ordem. Era preciso não deixar desenvolver-se a crítica, convinha responder-lhe antes de se estender e tornava-se urgente que uma personalidade da Igreja, incontestável, viesse em socorro dos Templários. Por três vezes pediu ao seu amigo Bernardo que desempenhasse esse papel de autoridade espiritual e defendesse a missão particular dos Templários. O santo homem de Clairvaux respondeu-lhe: “Por três vezes, salvo erro da minha parte, me pediste, meu muito caro Hugues, que escrevesse um sermão de exortação para ti e para os teus companheiros […]. Disseste-me que seria para vós um verdadeiro conforto encorajar-vos por meio das minhas cartas, dado que vos não posso ajudar pelas armas. E garantistes-me que seria muito útil se animasse, com as minhas palavras, aqueles que não posso ajudar pelas armas.”



E então Bernardo de Clairvaux redigiu o De laude Novae Militiae, verdadeira ferramenta de propaganda, crítica aos guerreiros tradicionais e apologia desta nova milícia de Deus que constituía a Ordem do Templo. Começou por criticar vigorosamente os homens de armas do seu tempo:

“Qual é, cavaleiro, esse inconcebível erro, essa inadmissível loucura que faz que despendas para a guerra tanto esforço e dinheiro e apenas recolhas frutos de morte ou de crime? “Embiocais os vossos cavalos de sedas e tapais as vossas cotas de malha com não sei quantos panos. Pintais as vossas lanças, os vossos escudos e as vossas selas, incrustais os vossos freios e os vossos estribos com ouro, prata e pedras preciosas. Vestis-vos com pompa para a morte e correis para a vossa perdição com uma fúria sem vergonha e uma insolência impudente. Esses ouropéis serão os arneses de um cavaleiro ou os atavios de uma mulher?”

“Ou então julgais que as armas dos vossos inimigos se desviam do ouro, pouparão as gemas, não furarão a seda? Por outro lado, demonstraram-nos amiúde que são necessárias três coisas principais na batalha: que um cavaleiro esteja alerta para se defender, seja rápido na sela e esteja pronto para o ataque. Mas, pelo contrário, penteais-vos como mulheres, o que dificulta a vossa visão; embaraçais os pés em camisas longas e largas e escondeis as vossas mãos delicadas dentro de mangas largas e de amplas aberturas. E, assim ataviados, bateis-vos pelas coisas mais vãs, tais como a cólera irracional, a sede de glória ou a cobiça dos bens temporais. Matar ou morrer por tais objetos não põe a alma em segurança.”

Que requisitório! A esta guerra de rendas, fútil, Bernardo contrapunha a dos monges-soldados da Ordem do Templo. Punha a tônica na simplicidade dos seus costumes, no seu desinteresse e na sua caridade e explicava por que razão aqueles monges tinham o direito e, até, o dever de matar, o que constituía a santidade da sua missão:

“O cavaleiro de Cristo mata em consciência e morre tranquilo: ao morrer, obtém a sua salvação; ao matar, trabalha para Cristo. Sofrer ou dar a morte por Cristo não tem, por um lado, nada de criminoso e, por outro, merece uma imensidade de glória.” Sem dúvida que não seria necessário matar os pagãos, tal como os outros homens, se tivéssemos outro meio de deter as suas invasões e de os impedir de oprimir os fiéis. Mas, nas circunstâncias presentes, é melhor massacrá-los do que deixar a vara dos pecadores suspensa sobre a cabeça dos justos e deixar os justos expostos a cometerem também a iniquidade. Pois então? Se nunca fosse permitido a um cristão bater com a espada, o precursor de Cristo teria apenas recomendado aos soldados que se contentassem com o seu soldo? Não lhes teria antes proibido o ofício das armas? Mas não é assim, pelo contrário.”

“Empunhar as armas é permitido, àqueles, pelo menos, que receberam a sua missão do altíssimo e que não fizeram profissão de uma vida mais perfeita. Existe alguém mais qualificado, pergunto-vos, do que esses cristãos cuja poderosa mão sustém (o Monte) Sião, a nossa praça-forte, para a defesa de todos nós, e para que, depois de expulsos os transgressores da lei divina, a nação santa, guardiã da verdade, a ela tenha um acesso seguro? Sim, que eles dispersem, têm esse direito, esses gentios que querem a guerra; que suprimam aqueles que nos perturbam; que ponham fora da cidade do Senhor todos esses obreiros de iniquidades que sonham pilhar ao povo cristão as suas inestimáveis riquezas encerradas em Jerusalém, conspurcar os Lugares Santos e apoderar-se do santuário de Deus!”

Depois de ter justificado o papel dos Templários, Bernardo quis mostrar que eram um escol, os melhores entre os homens, e participar assim na excelência do seu recrutamento:

“Agora, para dar aos nossos cavaleiros, que militam não para Deus mas para o diabo, um modelo a imitar, ou antes, para os inspirar e fazer sair da confusão, contarei em breves palavras o tipo de vida dos Cavaleiros de Cristo, o seu modo de se comportarem tanto na guerra como em suas casas. Quero que se veja claramente a diferença que existe entre os soldados seculares e os soldados de Deus. E, antes de mais, a disciplina não falta entre estes. Não têm desprezo pela obediência. Sob a ordem do chefe, vão, vêm; veste-se o hábito que ele dá e não se espera de outrem nem a roupa nem a alimentação. Tanto na vida como nas vestimentas, evita-se o supérfluo; reserva-se a atenção para o necessário.”

“É a vida em comum, levada na alegria e na mesura, sem mulheres nem filhos. E para que a perfeição angélica seja realizada, todos habitam na mesma casa, sem nada possuírem em particular, prestando atenção para manterem entre eles um único espírito de que a paz é o laço. Dir-se-ia que essa multidão tem apenas um corpo e uma alma, dado que cada um, em vez de seguir a sua vontade pessoal, se apressa tanto a seguir a do chefe. Nunca estão ociosos; não vão nem vêm por simples curiosidade; mas quando não estão em campanha (o que acontece raramente), para não comerem o seu pão sem o terem ganho, cosem as suas roupas rasgadas, reparam as suas armas […]. Entre eles, não há preferências de pessoas; julga-se segundo o mérito e não de acordo com a nobreza […]. Nunca uma palavra insolente, uma tarefa inútil, uma gargalhada excessiva, um murmúrio, por mais fraco que seja, ficam impunes”.



“Detestam o xadrez, os jogos de azar, têm horror à caça com galgos e a cavalo e nem sequer se divertem com a caça de altanaria, com que tantos se deleitam. Os númos, os que leem a sina, os jograis, as canções jocosas, as peças de teatro, são, a seus olhos, tão cheias de vaidade e de loucura, que se afastam delas e as abominam. Têm os cabelos curtos, porque sabem que, segundo as palavras do apóstolo, é vergonhoso para um homem cuidar da cabeleira. Nunca se penteiam e raramente tomam banho. É assim que são vistos, descuidados, hirsutos, negros de poeira, com a pele queimada pelo sol e tão bronzeada como a sua armadura.”

Que retrato, que forma de justificar esses homens e de os mostrar tão diferentes dos outros guerreiros! Não podemos dizer que Bernardo tente atrair recrutas prometendo-lhes facilidades, mas os homens de que o Templo necessita devem ser capazes de dar provas da mais total abnegação e de suportar uma vida rude entremeada de sofrimento. Bernardo procurava levar cada um a empenhar-se mais e, ao pregar a
segunda cruzada, em Vézelay, exclamava:

“A terra treme, é abalada porque o Deus do céu está em vias de perder a sua terra, a que é dele desde que viveu entre os homens durante mais de trinta anos […]. Agora, por causa dos nossos pecados, os inimigos da cruz erguem de novo a sua cabeça sacrílega e a sua espada despovoa essa terra bendita, essa terra prometida. E se ninguém resiste, pobres de nós, eles vão lançar-se sobre a própria cidade do Deus Vivo, para destruírem os lugares onde se consumou a salvação, para macularem os Lugares Santos que o sangue do Cordeiro Imaculado purpurou. Dareis vós aos cães o que há de mais santo, aos porcos as pérolas preciosas? Mas, digo-vos, o Senhor oferece-vos uma oportunidade. Contempla os filhos dos homens para ver se, entre eles, haverá alguns que o compreendam, que o procurem e que sofram por ele.

“Deus tem piedade do seu povo; àqueles que sucumbiram aos erros mais graves, propõe uma forma de salvação. Pecadores, pensai nesse abismo de bondade, enchei-vos de confiança. Ele não quer a vossa morte, mas sim a vossa conversão, a vossa vida: arranja-vos uma possibilidade não contra vós mas por vós. Ousa chamar a servir, como se estivessem prenhes de justiça, homicidas e ladrões, perjuros e adúlteros, homens acusados de todos os tipos de crimes. Não será isso, da sua parte, uma invenção excêntrica e que só Ele podia encontrar?”

De qualquer modo, não foi mal pensado, da parte de São Bernardo. Que homem político! Com uma só cajadada matava dois coelhos, recrutando homens rudes para se baterem no Oriente e aliviando o Ocidente de uma parte das más reses que nele habitavam. Em certa medida, inventava a Legião Estrangeira e dava realmente uma oportunidade a esses homens para se regenerarem. No entanto, pelo menos nos primeiros tempos, a Ordem do Templo foi, quanto a ela, muito seletiva no recrutamento e não aceitou as pessoas sem eira nem beira que se lhe ofereceram e, de qualquer modo, não as transformou em cavaleiros. Doravante, os Templários já tinham meios para fazerem a guerra, já estavam fixados. Na sua esteira, também se havia transformado a Ordem dos Hospitalários de São João de Jerusalém em ordem militar? Por que razão não mandaram fundir os nove ou dez templários dos tempos iniciais com os Hospitalários?

No entanto, teria sido a solução mais lógica em vez de organizar duas estruturas diferentes com as suas logísticas próprias. Mas, não o esqueçamos, o Templo tinha uma missão especial a assumir, depois das descobertas feitas em Jerusalém. A partir de então, não era possível misturar as duas ordens, dado que não prosseguiam objetivos estritamente idênticos. E como escreve Louis Lallement em La Vocation de l’Occident, a propósito dos Templários: “A Ordem do Templo, cujo manto branco ornado com uma cruz vermelha era das cores vermelhas de Galahad, constituía, no século XII, como que a armadura da própria cristandade.” Uma armadura que muitos, a partir de então, apenas pensaram em destruir.

Mais informações sobre os Templários:
  1. http://thoth3126.com.br/category/templarios/


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Novembro 16, 2015

chamavioleta

Os Cavaleiros Templários 

 História – Parte 1

 Edição e imagens: Thoth3126@gmail.com

Capítulo I – O NASCIMENTO DA ORDEM DO TEMPLO – UMA BREVE HISTÓRIA DA ORDEM DOS CAVALEIROS TEMPLÁRIOS – Livro de Michel Lamy

Publicado anteriormente em 25/04/2015

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OS TEMPLÁRIOS, ESSES GRANDES GUERREIROS DE MANTOS BRANCOS COM CRUZES VERMELHAS


Os seus costumes, os seus ritos, os seus segredos:

Digam o que disserem determinados historiadores encastelados em sua erudição acadêmica, a criação da Ordem dos Cavaleiros Templários continua envolta em inúmeros mistérios; e o mesmo acontece com a realidade profunda da sua missão, não a que se tornou pública, mas a missão oculta. Inúmeros locais ocupados e ou de propriedade dos cavaleiros Templários apresentam particularidades estranhas.

Atribuíram-se aos monges-soldados crenças heréticas, cultos curiosos e às suas construções, principalmente a Catedral de Chartres, significados e até poderes fantásticos. A seu respeito, fala-se de gigantescos tesouros escondidos (sendo o maior deles o CONHECIMENTO), de segredos ciosamente preservados e de muitas outras coisas.

Edição e imagens: Thoth3126@gmail.com

Capítulo I – O NASCIMENTO DA ORDEM DO TEMPLO – UMA BREVE HISTÓRIA DA ORDEM DOS CAVALEIROS TEMPLÁRIOS – Livro de Michel Lamy

Esta obra não tem a ambição de retomar toda a história da Ordem do Templo sob o ângulo dos acontecimentos fatuais, mas sim de esclarecer as suas zonas mais obscuras. No entanto, para compreender o que se passou, há que se ter presente no espírito que esta Ordem existiu por mais de dois séculos e evoluiu necessariamente. Quando chegou ao seu fim, não podia ser idêntica ao que era em seu nascimento. Mudou porque o seu ideal se viu confrontado com duras realidades.

Teve de se adaptar, uma e outra vez, tomar em mãos as questões temporais, perdendo sem dúvida, ao longo dos anos e das necessidades, uma parte da sua pureza original, tal como um adulto que por vezes tem dificuldade em encontrar em si a criança maravilhada, o minúsculo ser de olhos puros e inocentes que, no entanto, um dia foi.



A Ordem do Templo foi influenciada pelo seu tempo, mas este modificou-a, orientou-a, contribuindo para a História com as suas próprias correções. Para nos orientarmos nesta evolução, pareceu-nos útil apresentar, de forma muito breve, neste primeiro capítulo, uma história breve dos Templários e, sobretudo, da sua época.

Nos caminhos de peregrinação

Recuemos no tempo até ao final do século X. Hoje em nossa época, temos dificuldade em imaginar o que foram os terrores da chegada do ano 1000. A interpretação (carregada de ignorância e fanatismo) das escrituras convencera toda a cristandade de que o Apocalipse se produziria nesse ano fatídico. Revelação, no sentido etimológico do termo, mas também destruição, dor: regresso de Cristo à terra e julgamento dos homens, separação entre eles para mandar alguns para o paraíso, para junto dos santos, e os outros para o inferno, a fim de aí serem submetidos a tormentos eternos.

Os católicos viveram com angústia esse ano 1000 e a sua aproximação e passagem. E nada apocalíptico aconteceu, pelo menos nada pior do que nos anos precedentes. A Igreja enganara-se na sua interpretação das Escrituras? Deus teria esquecido os seus filhos na terra? Não, claro que não. Era algo diferente. A catástrofe fora evitada. Deus fora tocado pelas preces dos homens. Perdoara. Sim, mas por quanto tempo? E se apenas se tratasse de um adiamento? Era preciso rezar, cada vez mais, rezar sempre. No século anterior, os católicos tinham-se feito à estrada para irem em peregrinação a locais onde estavam enterrados os santos. Estes últimos haviam, sem
dúvida, intercedido em favor dos homens e Deus deveria ter-se deixado convencer.



Um dos santos mais eficazes deveria ter sido Santiago (irmão de Jesus) que, de Compostela, atraía milhares de homens e mulheres que deixavam a sua família, o seu trabalho, abandonando tudo para irem rezar àquele local da Galícia onde a terra terminava. Tinha-se passado perto da catástrofe final, as grandes fomes de 990 e 997 eram prova disso. Tinha-se evitado o pior, o método já era conhecido: era preciso cada vez mais que os homens se fizessem à estrada, que os monges rezassem, que todos fizessem penitência. Não seria conveniente ir mais longe, realizar a suprema peregrinação, a única que merecia verdadeiramente a viagem de uma vida: ir aos lugares onde o filho de Deus sofrera para resgatar os pecados dos homens, ir a Jerusalém?

Michelet escreveu: «Os próprios pés conheciam o caminho», e John Charpentier faz notar: Feliz aquele que regressava para a Europa! Mais feliz aquele que morria perto do túmulo de Cristo e que podia dizer-lhe, segundo a audaciosa expressão de um contemporâneo [Pierre d’Auvergne]: “Senhor, morrestes por mim e eu morri por vós”. Multidões cada vez mais numerosas puseram-se a caminho de Jerusalém. A cidade pertencia aos califas de Bagdá (Iraque) e do Cairo (Egito) que permitiam o livre acesso aos peregrinos. Mas tudo mudou quando os Turcos se apoderaram de Jerusalém, em 1090.



De início, contentaram-se com vexar os católicos e, por vezes, espoliá-los, infligindo-lhes humilhação atrás de humilhação, obrigando-os a executarem gestos contrários à sua religião. De escalada em escalada, a situação agravou-se: houve execuções, torturas. Falou-se de peregrinos mutilados, abandonados nus no deserto. De Constantinopla, o imperador Alexis Comnène lançara o sinal de alarme.

Libertar Jerusalém

O Ocidente emocionou-se. Não podia tolerar-se que os peregrinos fossem mortos. Não podiam deixar-se os lugares santos nas mãos dos infiéis muçulmanos. O ano 1000 passara, mas… Pedro, o Eremita, que assistira, em Jerusalém, a verdadeiros atos de barbárie, regressara muito decidido a erguer a Europa e pôr os cristãos no caminho de uma cruzada. Viram-no percorrer distâncias consideráveis, montado na sua mula, a que a multidão arrancava as crinas aos punhados, para com elas fazerem relíquias. Quando Pedro, o Eremita, passara por algum lugar, os espíritos encontravam-se inflamados; homens, mulheres, crianças, mostravam a impaciência de tudo deixarem para se dirigirem a um único destino: Jerusalém. E, uma vez lá, se veria o que se faria…

Do lado dos senhores feudais notava-se um pouco mais de prudência na atitude. Mais razão, sem dúvida, mas também muito mais a perder: as terras que já não seriam protegidas, os bens que poderiam atrair cobiças, etc. A 27 de Novembro de 1095, o papa Urbano II pregou num concílio provincial reunido em Clermont. E proclamou: «Cada um deve renunciar a si mesmo e carregar a cruz.» O sumo pontífice via aí também uma ocasião de meter na ordem esses leigos que se espojavam na luxúria e brindavam aos arruaceiros. Ir libertar Jerusalém seria o caminho da salvação.

Aos milhares, os peregrinos haviam costurado sobre as suas vestes cruzes de tecido vermelho, que viriam a valer-lhes o nome de cruzados. Inicialmente, foram os pobres e miseráveis, os mendigos, os famintos, que quiseram libertar Jerusalém, movendo-se ao caminho em bandos andrajosos que gritavam «Deus assim o quer!» E aqueles que não partiam faziam dádivas para que os outros tivessem com que sobreviver, durante a viagem. Alguns tomavam a decisão obedecendo a um impulso, a um sinal: uma mulher seguira um ganso que deveria levá-la à Cidade Santa.* Foram também referidos pássaros, borboletas e rãs que se pensava mostrarem o caminho. [* Há que ver aí uma similitude com o jogo da glória ou do ganso e o jogo da semana, que conduziam ambos ao Paraíso ou à Jerusalém celeste (cf Michel Lamy, Histoire secrète du Pays Basque, Albin Michel).]

Pedro, o Eremita, e o seu lugar-tenente, Gauthier-Sans-Avoir, arrastavam atrás de si uma multidão heterogênea de miseráveis de toda a Europa que começou a sua cruzada matando os judeus do vale do Rio do Reno e pilhando os bens dos camponeses húngaros. Chegaram a Constantinopla no sábado de Aleluia de 1096. Foi o início do fim. Na Ásia Menor, depois de Civitot, uma parte desses cruzados mal armados que não sabiam combater foi massacrada. Os sobreviventes pereceram quase todos de fome ou de peste, em frente a Antioquia.

Estes últimos viram chegar então – melhor seria dizermos, por fim – o exército dos cruzados, o dos homens de armas que tinham acabado por seguir o exemplo dos mendigos e miseráveis. Fortemente armados, determinados, esses guerreiros apoderaram-se de Antioquia. O objetivo final estava próximo: Jerusalém, terra prometida. Os cantos religiosos elevaram-se mal avistaram as muralhas da cidade. Deixou de haver mendigos e nobres, restando apenas católicos em êxtase, maravilhados com a sua façanha.



A 14 de Julho de 1099, a tropa pôs-se em movimento e atacou a cidade. Jerusalém foi conquistada, num fogoso ímpeto, logo na manhã do dia 15. No entanto, os cruzados não eram santos. De passagem, tinham pilhado e violado, a ponto de os cristãos orientais se terem visto forçados a refugiar-se junto dos Turcos: era inconcebível. Em Jerusalém, também não se comportaram com nenhuma caridade (cristã) digna de nota. Inúmeros muçulmanos (homens, mulheres, idosos e crianças) tinham-se refugiado na mesquita Al-Aqsa; os católicos desalojaram-nos e fizeram uma hecatombe ao passar a todos à fio de espada.

Um cronista anotava: «Lá dentro, o sangue chegava-nos aos tornozelos», e Guilherme de Tiro precisava: “A cidade apresentava um espetáculo tal de carnificina de inimigos muçulmanos, uma tal efusão de sangue, que os próprios vencedores se sentiram chocados pelo horror e a repugnância”. Durante uma semana, sucederam-se os massacres e combates de rua, até o odor do sangue provocar náuseas.

O reino latino de Jerusalém

No entanto, os cruzados tinham fincado pé na Terra Santa e tencionavam ficar por lá. Foi fundado o reino latino de Jerusalém. Godofredo de Bouillon foi nomeado rei, mas recusou-se a cingir a coroa naquele lugar onde Cristo apenas usara uma coroa de espinhos. Godofredo, o rei cavaleiro do cisne, morreria pouco depois, em 1100. Para além do reino de Jerusalém, que se estendia desde o Líbano até o Sinai, formaram-se progressivamente três outros Estados: o condado de Edessa, a norte, meio franco meio armênio, fundado por Balduíno de Bolonha, irmão de Godofredo de Bouillon; o principado de Antioquia, que ocupava, grosso modo, a Síria do Norte, e, finalmente, o condado de Antioquia.



Godofredo foi substituído por Balduíno I. A conquista fora realizada mas agora tratava-se de conservar e administrar os territórios obtidos. Era conveniente conservar as cidades e as praças fortes e velar pela segurança das estradas. O inimigo fora vencido, mas não eliminado. Fundaram-se ordens, a que foram atribuídas missões diversas. Houve, entre outras, a Ordem Hospitaleira de Jerusalém, em 1110, a Ordem dos Irmãos Hospitalários Teutônicos, em 1112, e a Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo (futuros Templários), em 1118, quando Balduíno II era rei de Jerusalém.

O nome de Ordem do Templo só aparece em 1128, por ocasião do Concílio de Troyes, que codificou a sua organização. Em 1130, São Bernardo escrevia o seu De laude Novae Militiae ad Milites Templi, para assegurar a divulgação da Ordem. Dentro em pouco, as doações tinham-se tornado importantes, o recrutamento progredia e, quando o primeiro Grão-Mestre, Hugues de Payns, morreu, em 1136, sucedendo-lhe Robert de Craon, a Ordem do Templo já era coesa. Três anos mais tarde, Inocêncio III reviu alguns aspectos da regra e concedeu ao Templo privilégios exorbitantes.

Em 1144, Edessa foi retomada pelos muçulmanos, o que levou à organização da segunda cruzada, pregada por São Bernardo em 1147, enquanto a Ordem dos Templários continuava a adaptar-se e desenvolver-se. A operação viria a tornar-se num malogro, mas, no terreno, os cruzados resistiam, ainda assim, bastante bem aos assaltos muçulmanos. Todavia, Saladino (Ṣalāḥ ad-Dīn Yūsuf ibn Ayyūb) conseguia, pouco a pouco, unificar o mundo do Islã no Oriente Médio. Em 1174, apoderava-se de Damasco (Síria) e, em 1183, de Alepo. Em seguida, após o desastre de Hattin, onde morreram inúmeros católicos, Saladino conseguiu retomar Jerusalém, em 1187 (conquista reproduzida no filme Cruzada-Kingdom of Heaven), reduzindo assim o reino latino à região de Tiro.


Acima: Saladino e Guy de Lusignan. Em julho de 1187, Saladino capturou a maior parte do reino de Jerusalém. No dia 4 de julho de 1187 ele deparou-se, na Batalha de Hattin, com as forças combinadas de Guy de Lusignan, Rei Consorte de Jerusalém, e Raimundo III de Trípoli. Somente na batalha, o exército Cruzado foi em grande parte aniquilado pelo exército motivado de Saladino, naquilo que foi um desastre completo para os cruzados e uma virada na história das Cruzadas.

Uma terceira cruzada foi organizada em 1190, quando Robert de Sablé era Grão-Mestre da Ordem do Templo. Viria a permitir reconquistar Chipre e Acre, em 1191. Reunia Filipe Augusto, Frederico Barba Ruiva e Ricardo Coração de Leão. Este último bateu Saladino em Jafa e, depois, tendo sido vencido, tentou regressar a Inglaterra disfarçado de templário. Reconhecido, foi feito prisioneiro, uma história que é bem conhecida de todos quantos, na infância, vibraram com as aventuras de Robin Hood dos Bosques de Sherwood em Nottingham. Infelizmente, ao contrário do que reza a lenda, Ricardo Coração de Leão não foi o rei nobre que é descrito com bonomia e esteve longe de se comportar sempre de forma cavaleiresca. Morreu em 1196, três anos depois de Saladino e de Robert de Sablé.

Em 1199, foi decidida a quarta cruzada que teve muitas dificuldades para se pôr a caminho. Quando os cruzados avistaram Constantinopla, em 1202, esqueceram o seu objetivo, conquistaram a cidade, pilharam aquele reino cristão ortodoxo e organizaram os Estados Latinos da Grécia. Esse evento levou à fundação do Império Latino e à consolidação do Grande Cisma do Oriente entre a Igreja Católica e a Igreja Ortodoxa. No final desse século XIII, Wolfram von Eschenbach escrevia o seu Parzifal, onde os Templários apareciam como os guardiões do Santo Graal,dando inicio a lenda que perdura até os dias atuais.

Depois de se ter desviado do seu objetivo, a Palestina, para pilhar o reino bizantino, a cavalaria ocidental – nomeadamente a francesa – deve ter dito a si própria que não era necessário ir tão longe para enriquecer. Em 1208, foi pregada nova cruzada, mas esta consistia em ir sangrar o Sul de França, onde os Cátaros opunham a sua heresia gnóstica a um clero local pouco convincente, porque demasiado corrompido. Os barões do Norte preferiram ir matar os Albigenses a esbarrarem nas cimitarras dos muçulmanos.

Mesmo assim, foi organizada uma quinta cruzada, entre 1217 e 1221. Terminou com a tomada de Damieta, no Egito, e sem mais êxitos. Foi esta a época escolhida pelos Mongóis para lançarem uma operação de invasão, criando uma nova frente, muito difícil de manter. Sem muita dificuldade, apoderaram-se do Irã. Todavia, Frederico II de Hohenstaufen, imperador germânico excomungado pelo papa, devolvera Jerusalém aos cristãos. O que as armas não haviam conseguido, obtivera Frederico II mediante negociações diplomáticas. Infelizmente, em 1244, a Cidade Santa viria a cair nas mãos dos Turcos.

O fim de um reino e de uma ordem

Durante todo este tempo, os Templários estiveram praticamente em todas as frentes de batalha, alimentando, graças à gestão genial de um patrimônio ocidental colossal, o esforço de guerra no Oriente. Mas o povo, os nobres, começavam indubitavelmente a cansar-se. As vitórias e as derrotas sucediam-se, tornavam-se banais. Já não existia o entusiasmo inicial. Em contrapartida, o Oriente influenciara o Ocidente. O contato com outra civilização deixara marcas, principalmente entre os altos iniciados dos cavaleiros templários. Tinham aparecido produtos novos nos mercados da Europa; haviam-se desenvolvido técnicas e ciências graças a frutuosas relações estabelecidas entre sábios e letrados das duas civilizações. E muito conhecimento oculto e secreto foi descoberto pelos Cavaleiros do Templo em seu contato com judeus e muçulmanos.



O Ocidente abria-se ao fascínio do Levante.

Um homem ainda pensava ter o dever de levar o ferro da espada, em “nome de Cristo”, ao seio dos infiéis muçulmanos: Luís de França (canonizado pela igreja mais tarde). Em 1248, iniciou a catastrófica sétima cruzada. Em nome de um ideal, desdenhava das realidades, recusando-se a ouvir aqueles que, como os Templários, conheciam bem os problemas locais. Acumulou erros e sofreu uma grave derrota em Mansurá (Al-Mansurah), enquanto os Mamelucos turcos consolidavam o seu poder no Egito. Em 1254, “São” Luís regressou a França. Quatro anos mais tarde, os Mongóis de Gengis Khan apoderaram-se de Bagdá, em 1258, pondo fim ao califado abássida. Em 1260, foram repelidos para a Síria pelos Turcos e, no ano seguinte, os Gregos retomavam Constantinopla.

Em 1270, “São” Luís, que nunca percebera nada e nem sempre retirara as lições da sua primeira campanha, participava na oitava cruzada. Encontrou a morte em frente a Túnis, nesse mesmo ano. Em 1282, foi concluída uma trégua de dez anos com o Egito, enquanto os Cavaleiros Teutônicos haviam decidido levar as suas espadas mais para norte e criar um reino na Prússia (semente do estado germânico). Em 1285, Filipe III, cognominado o Audaz, que sucedera a São Luís no trono de França, extinguia-se, deixando o lugar a Filipe IV, o Belo. Seis anos mais tarde, com a derrota de São João de Acre, no decurso da qual foi morto o Grão-Mestre da Ordem do Templo, Guillaume de Beaujeu, a Terra Santa foi perdida e evacuada definitivamente. Os Cavaleiros Templários se retiraram para a ilha de Chipre.

Em 1298, Jacques de Molay tornou-se o Grão-Mestre da Ordem: o último Grão-Mestre. Um ano mais tarde, organizou uma expedição ao Egito, mas o reino latino de Jerusalém acabara de vez. Filipe, o Belo, teve violentos confrontos com o papa Bonifácio VIII, que o excomungou, em 1303. O sumo pontífice morreu nesse mesmo ano. Em 1305, o seu sucessor, também ele em litígio com Filipe, o Belo, morreu envenenado e o rei de França tornou papa um homem com quem fizera acordos: Bertrand de Got, que reinou sob o nome de Clemente V.

Nesse mesmo ano, foram lançadas acusações (forjadas por Filipe o Belo) de extrema gravidade contra a Ordem do Templo, que assumiram a forma de denúncias feitas perante o rei de França. Acusações duvidosas mas que surgiam num bom momento: a Ordem inquietava a muitos e o rei francês, falido, queria por a mão em suas riquezas, agora que o seu poder já não tinha onde se exercer no Oriente. Em 1306, Filipe, o Belo, sempre sem dinheiro, baniu os judeus do reino de França, não sem antes os ter espoliado dos seus bens e de ter mandado torturar alguns deles. Em 1307, mandou prender todos os cavaleiros templários do reino da França e escolheu para tal fim a data de 13 de Outubro,uma sexta feira.


Acima: Em primeiro plano, Jacques de Molay, o último Grão mestre da Ordem dos Cavaleiros Templários

A 17 de Novembro, o papa acedeu a pedir a prisão dos cavaleiros da Ordem dos Templários por toda a Europa. Foram realizadas acusações estereotipadas e a instrução do processo fez-se com a ajuda da tortura. Mesmo assim, o papa tentou organizar a regularidade dos procedimentos mas não ousou atacar diretamente o rei de França. Pouco a pouco, os Templários tentaram formalizar a sua defesa mas, a partir de 1310, alguns deles foram condenados e conduzidos à fogueira. Em 1312, quando do segundo concílio de Viena, a Ordem do Templo foi extinta sem ser condenada. Os bens dos Templários foram, teoricamente, devolvidos aos Hospitalários de São João de Jerusalém.

No dia 18 de Março de 1314, o Grão-Mestre, Jacques de Molay, e vários outros dignitários cavaleiros da Ordem dos Templários foram queimados vivos. Um mês mais tarde, a 20 de Abril, morreu, por sua vez, o papa Clemente V. No dia 29 de Novembro ocorreu a morte de Filipe, o Belo. A Ordem do Templo extinguira-se mas a sua história não terminara. Deixou vestígios que, tal como as catedrais que ajudara a construir, transpuseram o tempo. Vivera mais de dois séculos, período durante o qual a evolução da civilização ocidental fora muito importante, muito mais do que deixa entender a concepção estática que geralmente se tem em relação à Idade Média.

Foram dois séculos de evolução econômica, de desenvolvimento do comércio e do artesanato, de progresso nas artes. Dois séculos que marcaram para sempre o mundo. A Ordem dos Cavaleiros Templários esteve intimamente ligada a essa evolução e esse não é o menor dos mistérios que agora teremos de abordar.

Continua…

Mais informações sobre os Templários:
  1. http://thoth3126.com.br/category/templarios/


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Posted by Thoth3126 on 25/04/2015


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Abril 28, 2015

chamavioleta


Os Cavaleiros Templários 

 História – Parte 2

Posted by Thoth3126 on 28/04/2015

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OS TEMPLÁRIOS, ESSES GRANDES GUERREIROS DE MANTOS BRANCOS COM CRUZES VERMELHAS – PARTE II-A

Os seus costumes, os seus ritos, os seus segredos:

Digam o que disserem determinados historiadores encastelados em sua erudição acadêmica, a criação da Ordem dos Cavaleiros Templários continua envolta em inúmeros mistérios; e o mesmo acontece com a realidade profunda da sua missão, não a que se tornou pública, mas a missão oculta. Inúmeros locais ocupados e ou de propriedade dos cavaleiros Templários apresentam particularidades estranhas.

Atribuíram-se aos monges-soldados crenças heréticas, cultos curiosos e às suas construções, principalmente a Catedral de Chartres, significados e até poderes fantásticos. A seu respeito, fala-se de gigantescos tesouros escondidos (sendo o maior deles o CONHECIMENTO), de segredos ciosamente preservados e de muitas outras coisas.

Edição e imagens: Thoth3126@gmail.com

O MISTÉRIO DAS ORIGENS – JERUSALÉM, CENÁRIO DO NASCIMENTO DA ORDEM DOS CAVALEIROS TEMPLÁRIOS – Livro de Michel Lamy – Capítulo II

Primeira parte em:
http://thoth3126.com.br/os-cavaleiros-templarios-historia-parte-1/

Antes das cruzadas, o Mediterrâneo era um lago muçulmano onde os islamitas quase faziam reinar a sua lei. De início, tinham tolerado os peregrinos antes de os destruírem, tanto em terra como no mar. A cruzada deveria pôr tudo em boa ordem, mas manter Jerusalém e mais algumas cidades ou praças fortes não era cobrir todo o território e a insegurança mantinha-se. Quanto à capital, parecia pacificada.

Godofredo de Bouillon mandara limpar rapidamente a cidade – e nomeadamente os lugares santos – dos cadáveres que o furor dos cruzados acumulara. No local determinado como o Santo Sepulcro, instalara um capítulo de vinte cônegos regulares, reunidos sob a denominação de Ordem do Santo Sepulcro. Envergavam um manto branco ornado com uma cruz vermelha.


Catedral de Chartres na França.

Mandara também reparar as muralhas guarnecidas com torres que protegiam a Cidade Santa e fora dispensado um cuidado muito especial às igrejas: Santa Maria Latina, Santa Madalena, São João Baptista e, é claro, Santo Sepulcro, com a sua rotunda ou anastasis, que albergava o pretenso túmulo de Cristo. Também fora ampliado um hospital que devia ser entregue aos Hospitalários de São João de Jerusalém e reparara-se a mesquita de Omar, isto é, a cúpula do rochedo que exibia a pedra sobre a qual Jacob vira, em sonhos, a escada que conduzia ao céu. Quanto à mesquita de Al-Aqsa, viria a tornar-se, em 1104, residência do rei de Jerusalém, Balduíno I, antes de ser devolvida aos Templários, a partir de 1110.

Quem era Hugues de Payns?

Tudo é mistério nos primórdios da Ordem. O primeiro enigma, que não é o mais importante: a personalidade do seu fundador. Geralmente, dá-se-lhe o nome de Hugues de Payns. Segundo os registros e as crônicas dessa época, encontramo-lo também sob os nomes de Paganensis, Paenz, Paenciis, Paon, etc. Guilherme de Tiro designa-o como «Hues de Paiens delez Troies», dando assim a sua origem geográfica. Com efeito, pensa-se geralmente que tenha nascido em Payns, a um quilômetro de Troyes, por volta de 1080, no seio de uma família nobre aparentada com os condes de Champagne.

Era o senhor de Montigny e teria mesmo sido oficial da Casa de Champagne, uma vez que a sua assinatura figura em dois registros importantes do condado de Troyes. Pela família de sua mãe, era primo de São Bernardo de Clairvaux, que lhe chamava amigavelmente «carissimus meus Hugo». O irmão de Hugues de Payns teria sido abade de Saint-Colombe de Sens. Casado, Hugues teria tido um filho que alguns autores transformam no abade de Sainte-Colombe, em lugar de seu irmão.

Esse filho, que encontramos nos textos sob o nome de Thibaut de Pahans, teve um dia alguns dissabores por haver empenhado uma cruz e uma coroa de ouro ornada de pedrarias que pertenciam à sua abadia. É verdade que foi por uma boa causa, dado que se tratava de conseguir cobrir as despesas da sua participação na segunda cruzada. Mas, mesmo assim…

Em resumo, sabemos muito pouco sobre o cavaleiro de Champagne chamado Hugues de Payns. De Champagne… nem disso se tem a certeza. Foram levantadas outras hipóteses quanto às origens da sua família. Entre outros, encontraram-se-lhe antepassados italianos ligados a Mondovi e a Nápoles. Para alguns, o seu nome verdadeiro teria sido Hugo de Pinos e seria necessário procurar a sua origem na Espanha, em Baga, na província de Barcelona, o que seria atestado por um manuscrito do século XVIII, conservado na Biblioteca Nacional de Madrid.


Hugues de Payns e o Rei Balduíno I de Jerusalém

Sobretudo, afirma-se também que seria de Ardèche, saído de uma família que inicialmente vivera na Alta Provença e que, depois, se teria fixado em Forez. Segundo Gérard de Sède, os seus antepassados teriam sido companheiros de Tancredo, o Normando. Hugues teria nascido a 9 de Fevereiro de 1070, no castelo de Mahun, na comuna de Saint-Symphorien-de-Mahun, em Ardèche. Aliás, em 1897, foi encontrado o registo de nascimento, mas pode tratar-se de uma homonímia.

As suas armas teriam sido de ouro com três cabeças de mouros, lembrando o apodo de seu pai. Este, natural de Langogne, em Lozère, era conhecido, efetivamente, como «o Mouro da Gardille». Laurent Dailoliez precisa que: A biblioteca municipal de Carpentras conserva um manuscrito que registra uma doação, de 29 de Janeiro de 1130, de Laugier, bispo de Avignon.

Nessa ocasião, Hugues de Payns é referido como originário de Viviers, em Ardèche. Tudo isso pareceria dar alguma credibilidade às origens de Hugues de Payns em Ardèche. Ficaria, portanto, por averiguar que circunstâncias o teriam levado a tornar-se oficial do conde de Champagne. Por isso, e porque existe um Payns perto de Troyes e também em razão do parentesco com São Bernardo, optaremos antes por uma origem champanhesa do primeiro Grão-Mestre da Ordem do Templo.

A criação da Ordem do Templo e o policiamento das estradas

Também a fundação da Ordem comporta muitas zonas obscuras. Analisemos, em primeiro lugar, a versão oficial tal como nos foi transmitida pelos cronistas da época. Guilherme de Tiro, nascido na Palestina em 1130, bispo de Tiro em 1175, não pôde assistir ao início da Ordem e, portanto, falava dele em função do que lhe fora contado. Jacques de Vitry era mais preciso, embora tenha escrito um século mais tarde. Devia estar de posse de alguns pormenores «oficiais» sobre os primórdios da Ordem, porque estava muito ligado aos Templários.

Poderemos, pois, pensar que o que se segue lhe foi contado diretamente por dignitários do Templo: Alguns cavaleiros, amados por Deus e ordenados para o seu serviço, renunciaram ao mundo e consagraram-se a Cristo. Mediante votos solenes pronunciados perante o patriarca de Jerusalém, dedicaram-se a defender os peregrinos dos arruaceiros e ladrões, a proteger os caminhos e a servir de cavaleiros ao soberano rei.

Observaram a pobreza, a castidade e a obediência, segundo a Regra dos Cônegos Regulares. Os seus chefes eram dois homens veneráveis, Hugues de Payns e Geoffroy de Saint-Omer. Inicialmente, só houve nove que tomaram uma decisão tão santa e, durante nove anos, serviram com vestes seculares e cobriram-se com aquilo que os fiéis lhes deram como esmola. O rei, os seus cavaleiros e o senhor patriarca encheram-se de compaixão por esses nobres homens que tudo haviam abandonado por Cristo e deram-lhes algumas propriedades e benefícios para proverem às suas necessidades e pelas almas dos doadores. E porque não tinham igreja ou casa que lhes pertencesse, o rei instalou-os no seu palácio, perto do Templo do Senhor.


O misterioso Labirinto, enigmático e repleto de significados ocultos, existente dentro do interior da Catedral de Chartres, construída de acordo com a geometria sagrada pelos Templários.

O abade e os cônegos regulares do Templo deram-lhes, para as necessidades do seu serviço, um terreno que não ficava distante do palácio e, por essa razão, foram mais tarde chamados Templários. No ano da graça de 1128, depois de terem ficado nove anos no palácio, vivendo todos juntos em santa pobreza, de acordo com a sua profissão de fé, receberam uma Regra por intervenção do papa Honório e de Estêvão, patriarca de Jerusalém, e foi-lhes atribuído um hábito branco.

Isso foi feito no concílio realizado em Troyes, sob a presidência do senhor bispo de Albano, legado apostólico, e na presença dos arcebispos de Reims e de Sens, dos abades de Cister, cujo principal representante era Bernardo de Clairvaux e de muitos outros prelados. Mais tarde, no tempo do papa Eugênio (1145-1153), puseram a cruz vermelha nos seus hábitos, usando o branco como emblema de inocência e o vermelho pelo martírio. […] O seu número aumentou tão rapidamente que em breve havia mais de trezentos cavaleiros nas suas assembleias, todos envergando mantos brancos, sem contar os inúmeros servidores. Adquiriram também muitos bens deste e do outro lado do mar Mediterrâneo. Possuíam […] cidades e palácios, de cujos rendimentos entregavam, todos os anos, uma determinada soma para a defesa da Terra Santa, nas mãos do seu soberano mestre, cuja residência principal era em Jerusalém.

Jacques de Vitry dava também algumas indicações sobre a disciplina que reinava no interior da Ordem. Poderíamos recorrer também a Guilherme de Nangis ou pedir alguma ajuda à versão latina da sua Regra, que afirma no preâmbulo: «pelas orações de mestre Hugues de Payns, sob cuja direção a referida cavalaria teve início pela graça do Espírito Santo». Que deveremos concluir? Que alguns cavaleiros renunciaram ao mundo sob o comando de Hugues de Payns para se colocarem ao serviço dos peregrinos e que assim nasceu a Ordem do Templo.

Podemos dizer também que os Templários foram apenas nove, durante nove anos, e esse número já foi muito glosado. Mas, quem eram esses nove paladinos. Para além de Hugues de Payns, encontramos Geoffroy de Saint-Omer, um flamenco; André de Montbard, nascido em 1095 e tio de São Bernardo pela sua meia-irmã, Aleth. Havia também Archambaud de Saint-Aignan e Payen de Montdidier (por vezes designado pelo nome de Nivard de Montdidier), ambos flamencos. E, depois, Geoffroy Bissol, sem dúvida originário do Languedoque e Gondomar, que talvez fosse português. Por fim, um tal Roral, ou Rossal, ou Roland, ou ainda Rossel, de quem nada mais sabemos, e um hipotético Hugues Rigaud, que teria sido originário do Languedoque.

Uma vez mais, as informações fiáveis são muito tênues. Por que razão se juntaram estes homens? Jacques de Vitry já no-lo disse: para defenderem os peregrinos dos arruaceiros, protegerem os caminhos e servirem de cavalaria ao seu soberano-rei. Na verdade, os exércitos de cruzados que haviam permanecido no local não tinham meios para dominarem todo o território, tanto mais que muitos homens haviam regressado ao Ocidente. As cidades estavam bem controladas mas a maior parte do país continuava sob domínio muçulmano. Algumas pequenas cidades nem sequer tinham guarnição cristã.

Os Francos contentavam-se com vagos pactos de não agressão e obrigavam-nas a pagar um tributo. Alguns senhores árabes aproveitavam-se desta situação para efetuarem golpes e assaltarem as caravanas de peregrinos. Os camponeses muçulmanos, para resistirem ao invasor, não hesitavam em organizar o bloqueio econômico das cidades a fim de as reduzirem à fome ou capturavam cristãos isolados e vendiam-nos como escravos. Nas próprias cidades ocorriam atentados. Em resumo, a segurança pública era uma palavra vã.



Havia uma estrada que era especialmente considerada exposta e pouco segura. Ligava Jafa a Jerusalém, e os egípcios de Ascalon faziam amiúde incursões contra ela. Os peregrinos só podiam circular por ela agrupados em pequenas hostes, o melhor armados que fosse possível. Hugues de Payns teria decidido remediar essa situação constituindo uma equipe «para que guardassem os caminhos, lá por onde os peregrinos passavam, dos ladrões e salteadores que grandes males aí soíam fazer», como dizia Guilherme de Tiro.

Hugues de Champagne e o nascimento da Ordem

A Ordem do Templo foi criada a 25 de Dezembro de 1118. Hugues de Payns e Geoffroy de Saint-Omer tinham prestado juramento de obediência entre as mãos do patriarca de Jerusalém no preciso dia em que Balduíno era coroado rei. Mas nove cavaleiros não seriam bem poucos para guardar as estradas da Terra Santa? É certo que poderemos supor que cada um deles deveria ter consigo alguns homens, sargentos de armas ou escudeiros. Isto era muito corrente, mesmo que tal não fosse referido.

Mesmo assim, os primórdios foram bastante modestos e não devem ter permitido que os primeiros Templários desempenhassem a missão que, aparentemente, se haviam atribuído. Diz-se que guardavam o desfiladeiro de Anthlit, entre Cesareia e Caifa, no preciso local onde, mais tarde, edificaram o famoso Castelo-Peregrino. Tal tarefa não deveria ser muito fácil, estando sediados em Jerusalém. Quase desprovidos de meios, não podiam fazer muito. A lógica exigia que procurassem recrutar pessoas para desempenharem melhor a sua missão. Era indispensável.

E, no entanto, nada fizeram. Evitaram, inclusive, com muito cuidado, durante os primeiros anos, qualquer aumento da sua pequena hoste. Guilherme de Tiro e Mathieu de Paris são formais: recusaram toda e qualquer companhia, exceto, em 1125 ou 1126, a do conde Hugues de Champagne, filho de Thibaut de Blois, um senhor cujo condado era mais vasto do que o domínio real. Porquê esta recusa? Como é possível que aqueles nove cavaleiros não tenham participado em qualquer operação militar, embora o rei não tenha parado de combater, de Antioquia a Tiberíades, passando por Alepo?

Tudo isto não convence e o papel de polícia das estradas parece, nestas condições, uma simples cobertura que disfarça uma outra missão que deveria permanecer secreta. É talvez graças à chegada de Hugues de Champagne que vamos perceber um pouco melhor o que se passou. Em 1104, depois de ter reunido alguns grandes senhores, dos quais um se encontrava em relação muito estreita com o futuro templário André de Montbard, Hugues de Champagne partira para a Terra Santa. Tendo regressado rapidamente (em 1108), deveria voltar lá em 1114 para regressar à Europa em 1115, a tempo de doar a São Bernardo uma terra onde este construiu a Abadia de Clairvaux.

Em todo o caso, a partir de 1108, Hugues de Champagne tinha entabulado contatos importantes com o abade de Cister: Estêvão Harding. Ora, a partir dessa época, embora os cistercienses não fossem considerados habitualmente homens de estudos – ao contrário dos beneditinos -, eis que começaram a estudar minuciosamente textos sagrados hebraicos. Estêvão Harding pediu mesmo ajuda a sábios rabinos da Alta Borgonha. Que razão poderia ter originado um entusiasmo tão repentino por textos hebraicos? Que revelação se pensava que esses textos poderiam trazer para que Estêvão Harding tenha posto, assim, os seus monges a trabalhar com o auxílio de eruditos judeus?

Neste quadro, a estada de Hugues de Champagne na Palestina pode parecer como uma viagem de verificação. Podemos imaginar que documentos importantes descobertos em Jerusalém ou nos seus arredores tenham sido trazidos para França. Foram traduzidos e interpretados, e Hugues de Champagne teria ido então procurar informações complementares ou então verificar, no local, a correção das interpretações e a validação dos textos. Sabemos, por outras fontes, o papel importante que São Bernardo, protegido de Hugues de Champagne, devia desempenhar na política do ocidente e no progresso da Ordem do Templo.

Escreveu a Hugues de Champagne, a propósito da sua vontade de ficar na Palestina: “Se, pela graça de Deus, te fizeste conde, cavaleiro, e de rico, pobre, felicitamo-nos pelo teu progresso, dado que é justo, e glorificamos a Deus em ti, sabendo que isto é uma mutação à mão direita do Senhor. Quanto ao resto, confesso que não suportamos com paciência sermos privados da tua alegre presença por não sei qual justiça de Deus a menos que, de tempos a tempos, mereçamos ver-te, se tal for possível, o que desejamos mais do que todas as coisas.” Esta carta do santo cisterciense mostra-nos até que ponto os protagonistas desta história estão ligados entre si e são capazes, portanto, de guardar o segredo em que trabalhavam.



Aliás, o próprio São Bernardo interessou-se muito de perto por antigos textos sagrados judeus. Em todo o caso, parece que Hugues de Champagne considerou as revelações suficientemente importantes para legitimarem uma fixação na Palestina. Era casado e, para entrar na Ordem do Templo que acabara de se criar, era necessário que a sua mulher aceitasse entrar para um convento. A cara esposa não entendia assim as coisas. Hugues de Champagne hesitou durante algum tempo mas, como a sua mulher lhe era notoriamente infiel, repudiou-a. Aproveitou esse fato para deserdar o filho, em relação ao qual tinha fortes desconfianças de não ser seu, e abdicou de todos os seus direitos em favor de seu sobrinho, Thibaut.

Entrou para a Ordem do Templo e nunca mais deixou a Terra Santa, onde faleceu em 1130. Quem seria capaz de nos fazer crer que repudiou a mulher e abandonou tudo para guardar estradas com pessoas que não queriam a ajuda de ninguém, e isso sob as ordens de um dos seus próprios oficiais?* [*É provável que Hugues de Payns tenha vindo para a Palestina ao mesmo tempo que Hugues de Champagne, isto é, em 1104. Com efeito, a primeira cruzada realizou-se em 1099 e, nessa época, Hugues de Payns ainda devia encontrar-se na Champagne, dado que aí encontramos a sua assinatura num documento de 21 de Outubro de 1100.]

Era preciso ser muito ingênuo, mesmo que tomemos em consideração que a fé é capaz de dar origem a muitos abandonos. Não se trataria antes de ajudar os Templários na verdadeira tarefa que lhes fora confiada e que Hugues de Champagne tinha boas razões para conhecer? Tudo iria acelerar-se. A Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo só fora criada oficialmente em 1118, isto é, vinte e três anos depois da primeira cruzada, mas foi apenas em 1128, a 17 de Janeiro, que recebeu o nome de Ordem do Templo e a sua aprovação definitiva e canônica, mediante a confirmação da regra.

Até mesmo essas datas são contestadas por vezes e fala-se, respectivamente, de 1119 e de 13 de Janeiro de 1128. Podemos pensar que os documentos que tudo indica terem sido trazidos da Palestina por Hugues de Champagne (que sem dúvida os descobrira juntamente com Hugues de Payns) não deixariam de estar relacionados com o local que, em seguida, foi designado como o alojamento dos Templários.

O Templo de Salomão

O rei de Jerusalém, Balduíno, atribuiu-lhes como alojamento uns edifícios situados no local do Templo de Salomão. Chamaram ao local caserna de São João. Fora necessário mandar sair de lá os cônegos do Santo Sepulcro que Godofredo de Bouillon lá instalara primitivamente. Por que razão não se procurara antes outra habitação para os Templários? Que necessidade imperiosa havia de lhes oferecer para toca aquele local em particular? De qualquer modo, a razão não tem nada que ver com o policiamento das estradas. As caves eram formadas por aquilo a que se chamavam as estrebarias de Salomão. O cruzado alemão João de Wurtzburg dizia que eram tão grandes e tão maravilhosas que podiam alojar-se lá mais de mil camelos e quinze centenas de cavalos.

No entanto, foram designadas na sua totalidade aos nove cavaleiros do Templo que, antes de mais nada, se recusavam a fazer recrutamento. Desentulharam-nas e utilizaram-nas a partir de 1124, quatro anos antes de receberem a sua regra e estimularem o seu desenvolvimento. Mas utilizaram-nas apenas como estrebarias ou realizaram nelas buscas discretas? E o que procuravam? Um dos manuscritos do mar Morto, encontrado em Qumran e decifrado em Manchester em 1955-1956, referia quantidades de ouro e de vasos sagrados que constituíam vinte e quatro conjuntos enterrados sob o Templo de Salomão. Mas, nessa época, esses manuscritos dormiam no fundo de uma gruta e, mesmo que possamos imaginar a existência de uma tradição oral a esse respeito, poderemos pensar que as pesquisas foram orientadas antes para textos sagrados ou objetos rituais e não para vulgares tesouros materiais.


Idealização do Templo de Salomão

Que poderiam ter encontrado no local e, antes de qualquer coisa, que sabemos sobre esse Templo de Salomão de que tanto se fala? Para além das lendas, muito pouco: nenhum vestígio identificável por arqueólogos; essencialmente, tradições veiculadas ao longo do tempo e algumas passagens na Bíblia (no Livro dos Reis e nas Crônicas). Sem dúvida que foi construído em torno de 960 a. C. – pelo menos na sua forma primitiva. Salomão, que desejaria construir um templo à glória de Deus, fizera acordos com o rei fenício Hiram que se comprometera a fornecer-lhe madeira (de cedro e de cipreste). Enviar-lhe-ia também operários especializados: pedreiros, canteiros e carpinteiros recrutados em Guebal, onde os próprios egípcios costumavam contratar a sua mão-de-obra qualificada.

As obras duraram sete anos, abrangendo também um palácio suficientemente grande para albergar as setecentas princesas e trezentas concubinas do rei Salomão.
O Templo era retangular. Entrava-se no vestíbulo transpondo uma porta dupla de bronze e, então, encontravam-se duas colunas: Jachin e Boaz, também de bronze. Seguia-se uma porta dupla, em madeira de cipreste, que permitia o acesso ao hékal, ou local santo, uma sala com lambris de madeira de cedro e cheia de objetos preciosos e sagrados: o altar dos perfumes, em ouro maciço, a tábua dos pães de oração, em madeira de cedro forrada a ouro, dez candelabros e lâmpadas de prata, copos para libações finamente cinzelados, bacias sagradas e braseiros que serviam para a celebração de sacrifícios. Em seguida, entrava-se no debir, uma sala cúbica onde se encontrava a Arca da Aliança. O conjunto era feito de pedras talhadas, madeira e metais.

Em frente ao Templo, o «mar de bronze», grande reservatório que podia conter cinquenta mil litros de água, suportado por doze estátuas de touros, dominava a esplanada. Os elementos de decoração eram cobertos de folhas de ouro. Todo o empedrado tinha placas de ouro. A prata e o cobre também se encontravam em profusão. Os metais preciosos estavam verdadeiramente em todo o lado, incluindo o telhado, onde agulhas de ouro impediam que os pássaros pousassem. O Templo existiu sob esta forma até 586 a. C. Nessa data, Nabucodonosor cercou Jerusalém e apoderou-se dela. A cidade foi incendiada e o Templo de Salomão destruído.

Em torno do ano de 572 a. C., Ezequiel teve a visão do Templo reconstruído das suas ruínas. No entanto, teve que esperar até 538 a. C. para se ver Zorobadel iniciar a sua reconstrução. O novo santuário, muito mais modesto do que o precedente, foi arrasado pelo Selêucida Antíoco Epifânio. Herodes decidiu reconstruí-lo. Durante dez anos, mil operários trabalharam no estaleiro. O resultado foi grandioso, mas durou pouco, dado que o edifício foi destruído no tempo de Nero, menos de sete anos depois de ter sido terminado. Em 70 d. C., uma vez mais, Jerusalém foi tomada e o Templo pilhado, por Tito.

Os objetos sagrados, como o candelabro dos sete braços e muitas outras riquezas, foram levados para Roma e apresentados ao povo, quando do «triunfo» de Tito’. Quando os Templários se instalaram no local onde se ergueraa série de templos, apenas restava do edifício um pedaço do (do hoje) muro das lamentações e um magnífico empedrado quase intacto. Em sua substituição, erguiam-se duas mesquitas: a Al-Aqsa e a mesquita de Omar. Na primeira, a grande sala de oração foi dividida em quartos para servir de alojamento aos Templários. Juntaram-lhe novas construções: refeitórios, adegas, silos.

Os Templários e a Arca da Aliança

Parece que os Templários fizeram descobertas interessantes no local. Mas, de que se tratava? Se a maior parte dos objetos sagrados desaparecera por ocasião das diversas
destruições, e nomeadamente quando do saque de Jerusalém por Tito, havia um que se volatilizara, pura e simplesmente desaparecera, não parecia ter sido retirado de lá. Ora, fora para alojar esse objeto que Salomão construíra o Templo: a Arca da Aliança, que continha as Tábuas da Lei. Uma tradição rabínica referida pelo Rabi Mannaseh ben Israel (1604-1657) explica que Salomão teria mandado fazer um esconderijo sob o próprio Templo, para se colocar lá a Arca, em caso de perigo. Essa Arca tinha a forma de uma caixa de madeira de acaju com dois côvados e meio (1,10 m) por um côvado e meio (66 cm), tendo tanto de altura como de largura.

Tanto no interior como no exterior, as paredes estavam cobertas com folhas de ouro. O cofre abria-se para cima, por meio de uma tampa de ouro maciço por cima da qual se viam dois querubins de ouro martelado, frente a frente, com as asas dobradas e viradas uma para a outra. Havia argolas fixadas, que permitiam a inserção de barras
- também elas cobertas de ouro – para transportar a Arca que, assim, teria um aspecto igual ao de certos móveis litúrgicos egípcios. Por fim, uma placa de ouro estava colocada sobre a tampa, entre os querubins. Este kapporet era considerado pelos Hebreus como o «trono de Iavé». Assim o afirma o Êxodo, onde Iavé diz a Moisés: É aí que me encontrarei contigo, de cima do propiciatório, do espaço compreendido entre os dois querubins colocados sobre a Arca do Testemunho, que te comunicarei as ordens destinadas aos filhos de Israel.

O que quer dizer isso? Para os amantes de OVNIS, a Arca poderia ser uma espécie de receptor de rádio interdimensional que permitiria receber mensagens vindas do espaço ou de outro lugar. Para os outros, resta classificar isto na misteriosa rubrica dos objetos ditos de culto cujo destino não é conhecido. Os querubins alados parecem sugerir «homens voadores», «anjos» intermediários entre os homens e os deuses. Pelo nosso lado, vamos abster-nos de dar qualquer opinião quanto a esta questão, mas não poderíamos afastar a priori nenhuma hipótese enquanto não for fornecida uma explicação totalmente convincente, e sem dúvida que não será fácil explicar por que razão a Arca fora construída como um condensador elétrico.



Em todo o caso, a Arca encontrava-se bem protegida. Paul Poêsson* lembra que era proibido tocar-lhe sem uma autorização expressa para tal (e, muito possivelmente, equipado com proteções especiais), sob pena de se ser fulminado de imediato. Um dia, quando a transportavam, e porque ia mal segura, a Arca deu a impressão de ir cair ao chão. Um homem precipitou-se para a segurar. Foi uma infelicidade, porque morreu imediatamente fulminado. Pode considerar-se que a Arca se protegia a si própria, querendo dizer com isso que seria difícil admitir que a cólera divina tenha fulminado alguém apenas porque pretendera impedir que a Arca caísse. *[Paul Poêsson, Le Testament de Noé]

A Arca foi, pois, colocada no Templo de Salomão, no ano 960 a. C. No Livro dos Reis, Salomão dirige-se a Deus, através dela: “O Eterno declarou que habitaria na escuridão. Acabei de edificar uma casa que será a Tua residência, oh Deus, uma casa onde Tu habitarás eternamente.” Robert Laffont escreve: “Curioso, tratando-se de um ser da Luz. De notar que Salomão parece fazer uma distinção entre o deus a que se dirige e o Eterno.” Tal como já dissemos, não parece que a Arca tenha sido roubada quando das diferentes pilhagens ou pelo menos, quando tal aconteceu, foi recuperada, de acordo com os textos. O seu desaparecimento por roubo teria deixado inúmeros vestígios, tanto nos escritos como nas tradições orais. Apenas uma lenda sugere que ela teria sido roubada pelo próprio filho de Salomão. Esse filho, que teria tido da rainha de Sabá, tê-la-ia roubado para a levar para o reino de sua mãe. Mas esta lenda é pouco credível e não encontramos nada que a possa apoiar, na Bíblia.

Louis Charpentier lembra: “Quando Nabucodonosor tomou Jerusalém, não há qualquer referência à Arca, no saque do templo. Manda incendiar o Templo, em 586 a. C. E a Arca arde com ele.” Diz Wegener: “Ora, é certo que a Arca foi enterrada embaixo do templo. E Salomão não disse que ela ficaria na escuridão? O que não podia ser o caso do Santo dos Santos.” Charpentier vê a prova disso num texto que refere: “Quando a Arca da Aliança foi enterrada, levou-se para a ghenizah o recipiente que continha o maná, porque estivera em contato com as Tábuas da Lei.”

Para Charpentier, isso não tem a menor dúvida: a Arca ficou escondida no local, escondida sob o Templo, e os Templários descobriram-na. Esta afirmação deverá ser aceita com muita circunspecção, mas não deixa de ter interesse. Se admitirmos, por um instante, a sua validade como hipótese de investigação, torna-se lógico pensar que, entre 1104 e 1108, Hugues de Champagne e Hugues de Payns, uma espécie de aventureiros da Arca perdida, tenham conseguido descobrir documentos que permitiam localizá-la. O trabalho dos monges de Cister e dos sábios judeus que os ajudaram, teria consistido então na tradução e interpretação dos textos, eventualmente, fragmentários trazidos por Hugues de Champagne.

Mais tarde, munidos de informações adequadas, e depois de terem obtido como alojamento o local do Templo de Salomão, os primeiros cavaleiros do Templo teriam podido realizar escavações que conduziriam à descoberta da Arca. Quanto a isto, Charpentier cita em primeiro lugar, como memória, uma tradição oral que faria dos Templários os detentores das Tábuas da Lei. Lembra o regresso ao Ocidente dos primeiros templários, em 1128. Assim, abandonavam a sua missão. É claro que se tratava de obter a fundação de uma ordem militar dotada de uma regra especial, mas seria necessário, para tal, abandonar tudo no Oriente, durante um longo período? Não bastaria enviar um embaixador, tanto mais que os cavaleiros não tiveram a menor dificuldade em obter o que desejavam graças à força dos apoios de que beneficiavam?

Ora, o preliminar da regra que então lhes foi dada por São Bernardo começava assim: “Bem agiu Damedieu conosco e com o Nosso Salvador Jesus Cristo, o qual enviou os seus amigos da Santa Cidade de Jerusalém à Marca de França e da Borgonha […].” Charpentier comenta e sublinha: “A obra é realizada com a ajuda de Nous. E os cavaleiros foram mesmo mandados à Marca de França e da Borgonha, isto é, à Champagne, sob a proteção do conde de Champagne, onde podem ser tomadas todas as precauções contra qualquer ingerência dos poderes públicos ou eclesiásticos: naquele lugar onde, nessa época, se pode garantir melhor um segredo, uma vigilância, um esconderijo.”

E Charpentier pensa que os Cavaleiros do Templo, ao regressarem ao Ocidente, traziam, se assim o podemos dizer, nas suas bagagens, a Arca da Aliança. E precisa:
“No portal norte de Chartres, o portal chamado «dos Iniciados», existem duas colunatas esculpidas em relevo e ostentando, uma, a imagem do transporte da Arca por uma junta de bois, com a legenda: Archa cederis; a outra, a Arca que um homem cobre com um véu, ou agarra com um véu, perto de um monte de cadáveres entre os quais se distingue um cavaleiro de cota de malha; a legenda é: «Hic amititur Archa cederis»” (amititur possivelmente em vez de amittitur). Terá de ver-se aí um indício suficiente para apoiar a tese de Charpentier?


No portão norte chamado “o Portão dos Iniciados”, existem duas colunas no relevo esculpido mantenha uma imagem do transporte da Arca em um carro de boi, com a legenda Archa cederis (obrarás a arca), e outra amostra um homem que parece cobrir com um véu a Arca, junto com uma pilha de cadáveres entre um cavalheiro está na cota de malha.

Podemos, temos inclusive o dever de sermos extremamente céticos. No entanto, é mesmo a Arca da Aliança que parece estar representada, em cima de um carro de quatro rodas, em Chartres. Com efeito, uma escultura idêntica, representando o transporte da Arca, encontra-se nas ruínas da sinagoga de Cafarnaum. Essa representação mostra que, em Chartres, se atribuía um interesse muito especial ao transporte da Arca e poderia significar que os escultores não ignoravam que ela fora deslocada. Isso não quer dizer, de modo algum, que tenha sido trazida para o Ocidente pelos Templários, nem sequer que estes tenham uma relação especial com essa deslocação. Precisamente, poderemos observar que a decoração da catedral de Chartres evoca mais de uma vez os cavaleiros do Templo.

O outro segredo de Salomão

O segredo descoberto no local do Templo pelos Templários pode não ter qualquer relação com a Arca da Aliança, embora continue ligado a Salomão. De qualquer modo, é forçoso reconhecer que há muitos pontos comuns entre os Templários e este rei. Em primeiro lugar, temos de lembrar que, logo no início, Hugues de Payns e os seus amigos tinham tomado o nome de «Pobres Cavaleiros de Cristo» e isso até terem ocupado o local do Templo de Salomão – pelo menos é o que geralmente se diz. Ora, a partir do momento em que obtiveram a sua regra (logo, após as suas possíveis descobertas), lê-se no prólogo da versão francesa: «Aqui começa a regra da pobre cavalaria do Templo.»

Muito em breve encontramos nas doações que lhes foram feitas os títulos de cavaleiros do Templo de Salomão. A expressão não veio, pois, por hábito e foi decidida muito rapidamente. Notemos, por outro lado, que o menestrel alemão, Wolfram von Eschenbach, que se afirmava Templário, escrevia no seu Parzival que o Graal fora transmitido por Flégétanis, «da linhagem de Salomão», e que os Templários eram os seus guardiões. Voltaremos a este ponto.

Pensemos também na construção do Templo que Salomão confiara ao mestre Hiram. O arquiteto, segundo a lenda, foi morto por companheiros invejosos aos quais recusara a divulgação de determinados segredos. A seguir ao desaparecimento de Hiram, Salomão enviara nove mestres à sua procura, nove mestres como os nove primeiros Templários à procura do arquiteto dos segredos. E depois, Salomão, tal como os Templários, apostou muito no comércio, sobretudo dos cavalos. Quis ter uma frota comercial para facilitar o seu negócio e os Templários, por sua vez, possuíram uma frota poderosa de navios. Que pensava disso São Bernardo que fez a propaganda dos Templários e escreveu sobre o Cântico dos Cânticos, atribuído ao rei Salomão?


(São) Bernardo de Clarivaux, patrono da Ordem dos Cavaleiros Templários e criador das regras da Ordem.

A própria personalidade de Salomão é interessante de estudar, neste quadro. É símbolo de justiça: o seu julgamento é célebre; símbolo de sabedoria, também. Rei dos poetas, é autor do Cântico dos Cânticos que alguns pensam ser um documento cifrado, uma espécie de testamento de adepto, de um iniciado em ocultismo. Não podemos falar de Salomão sem lembrarmos a rainha do Sabá. Esta chegou a Jerusalém acompanhada por uma magnífica caravana de camelos carregados de presentes fabulosos. Balkis, a magnífica, vinha pôr à prova Salomão, cuja reputação chegara até ela e tinha a intenção de lhe apresentar enigmas muito difíceis de resolver. O Corão contém, a propósito da visita de Balkis, reflexões bastante interessantes.

Assim: “Salomão herdou de David e disse: Homens! Ensinaram-nos a linguagem dos pássaros, e, de todas as coisas, fomos contemplados copiosamente. Na verdade, esse é por certo um favor evidente!” A alusão à linguagem dos pássaros deixa entender que Salomão tinha conhecimento dos segredos ocultos da natureza (e que talvez os comandasse). Esse tipo de denominação era bem conhecido dos trovadores e leva-nos de volta à escrita do Cântico dos Cânticos de Salomão, estudado de perto por São Bernardo.

Mas, regressemos ao Alcorão: As tropas de Salomão, formadas por Djins, Mortais e Pássaros foram reunidas à sua frente, divididas por grupos. Assim, Salomão tinha ao seu serviço homens mas também gênios (Djins) – isto é, ele conhecia e comandava os Seres elementais* – e pássaros, isto é, seres voadores. *[O Espírito dos elementos, segundo o ocultismo. (N. do E.)] Então, a Arca da Aliança, os segredos de arquitetura, a linguagem dos pássaros? Ou outra coisa encontrada na Palestina? Mas o quê? Segredos ligados a Jesus? À sua vida? A Maria Madalena? Ao Graal, talvez…

Satã prisioneiro

Consideremos mais uma possibilidade, por mais louca que seja. Segundo o Apocalipse de São João, depois de ter sido vencido e expulso do céu com os anjos que foram afastados da graça divina, Satã é acorrentado no abismo. Ora, a tradição afirma que esse abismo tem saídas e que estas se encontram obturadas. Uma delas encontrava-se, precisamente, selada pelo Templo de Jerusalém. O quartel dos Templários ficaria, pois, situado num local de comunicação entre diferentes reinos, característica comum à da Arca da Aliança. Ponto de contacto tanto com o Céu como com os Infernos, um dos locais sagrados sempre ambivalentes, dedicados tanto ao bem como ao mal. Um local de comunicação ideal de que os Templários se teriam tornado guardiões.

Uma lenda referida pelo Senhor de Vogüé conta que, na época de Omar, um homem, ao debruçar-se, avistou uma porta no fundo do poço donde tirava água. Desceu ao poço e transpôs a porta. Apareceu-lhe um jardim magnífico. Arrancou uma folha de uma árvore e trouxe-a como prova da sua descoberta. Mal saiu, apressou-se a ir prevenir Omar. Correram para lá, mas a porta desaparecera e ninguém voltou a encontrá-la. Ao homem restou apenas a folha que nunca murchou. Isto passava-se no local do Templo de Salomão. Uma tradição mais para transformar o local numa passagem entre diversos níveis (de Consciência) e reinos.

Relata-se também que o Templo de Salomão fora precedido, no local, por um templo pagão dedicado a Poseidon. Ora, ignora-se demasiadas vezes que Poseidon só muito tardiamente se tornou deus do mar. Antes, tinha a posição de Deus supremo e foi apenas com a chegada à Grécia dos Indo-Europeus que Zeus assumiu a liderança das divindades. Poseidon fora, no tempo dos povos pelasgos, o Deus criador, demiurgo que tinha um lugar privilegiado nas águas-mães salgadas. Era o grande agitador das terras, senhor das forças telúricas e, em alguns aspectos, aproximava-se de Satã. Eugène Delacroix, iniciado da Sociedade Angélica, sabia-o bem quando
decorou o teto da capela dos Santos Anjos, na igreja de Saint-Sulpice, de Paris.

Pintou nela São Miguel a deitar ao chão o demônio. Ora, esse demônio das origens, representou-o sob a forma de Poseidon, perfeitamente reconhecível devido aos seus atributos. Muito bem! Os Templários encarregados de guardarem os locais por onde Satã poderia evadir-se da prisão que lhe fora atribuída na noite dos tempos, é algo que parecerá, sem dúvida, grotesco a muitos leitores modernos mas que seria conveniente reinserir nas crenças da época. E, depois, nunca se sabe… Tanto mais que Salomão também mandou construir santuários para «divindades estrangeiras».

Mandou dedicar, nomeadamente, templos à Astarté, «a abominação dos Sidonenses» e à Milkom, «o horror dos Amonitas». O «deus ciumento» de Israel deve ter ficado furioso. Nesse campo, Salomão não se limitaria a ceder às pressões das inúmeras concubinas estrangeiras? Se agiu desse modo, que não teria feito em recordação da rainha do Sabá, cujo reino podemos localizar, sem a menor dúvida, no lémen? Na sua maioria, os deuses do país de Baffis cheiravam muito a enxofre.



Os Templários e os segredos (a SABEDORIA) de Salomão

Em resumo, podemos considerar como uma quase certeza o fato de Hugues de Payns e Hugues de Champagne terem descoberto documentos importantes, na Palestina, entre 1104 e 1108. Esses achados estiveram, sem dúvida, na base da constituição dos nove primeiros Templários e devemos ligá-los à decisão de lhes atribuir, como residência, o local do Templo de Salomão. Aí, levaram a cabo escavações.

Nessa fase, estava fora de questão aumentarem os seus efetivos, por causa da manutenção do segredo. As suas pesquisas devem tê-los levado a encontrar algo realmente importante, pelo menos aos seus olhos. A partir desse momento da descoberta, a política da Ordem mudou. O QUE eles teriam encontrado?
A Arca da Aliança?
Um modo de se comunicarem com poderes superiores ao homem: deuses, elementais, gênios (djins), extraterrestres ou outros ?
Um segredo relativo à geometria sagrada e, por assim dizer, mágica da arquitetura?
A chave de um mistério ligado à vida de Cristo ou à sua mensagem?
O Santo Graal?
A forma de reconhecer os locais onde a comunicação, tanto com o Céu como com os Infernos, é facilitada, com o risco de libertar Satã ou Lúcifer?

Poderíamos pensar que nos encontramos numa novela de H. P. Lovecraft, é certo, mas estas perguntas, embora não sejam racionais, surgem imperativamente no contexto da época. Iremos procurar, ao longo dos próximos capítulos e dos indícios que nos irão ser fornecidos pela história da Ordem dos Cavaleiros Templários, separar o trigo do joio e restringir os nossos pressupostos, explicar por que razão, a partir de então, a política dos Cavaleiros Templários mudou brusca e radicalmente.


Mais informações sobre os Templários:
  1. http://thoth3126.com.br/category/templarios/


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