CAPÍTULO IX – O Deserto Florescerá
A lenda afirma que o Graal restaurado terá o poder de recuperar a Terra devastada. Quando ele for devolvido ao Rei Pescador, será capaz de curar suas feridas, as origens da desolação, que impera em seu reino. E o Graal, como sugerimos, é o feminino sagrado perdido – a Noiva-Irmã do cristianismo, a esposa de Jesus (e a consorte de Christo). Como teria sido o nosso mundo se a Noiva da cristandade jamais tivesse sido esquecida? E como será ele quando ela for reabilitada? O desequilíbrio de nossas instituições fundamentais, refletindo um Deus-Pai no topo de uma trindade totalmente masculina, tem exercido uma influência devastadora no mundo ocidental.
Com o ritmo acelerado dos acontecimentos, em razão dos avanços científicos dos últimos trezentos anos – especialmente dos últimos cinqüenta -, a fratura na sociedade ocidental e na psique humana tornou-se cada vez mais aparente. A poluição em nosso planeta e o flagrante abuso de seus filhos estão intimamente relacionados a essa falha essencial. Se não tivéssemos perdido a Noiva, o feminino sagrado teria sido estabelecido desde o início como parceiro igualitário da deidade masculina. As preferências e qualidades femininas teriam sido honradas com a mesma intensidade no passar dos séculos e a integração resultante na psique dos indivíduos teria se disseminado em suas famílias e comunidades.
A negação do feminino como parceira da humanidade nos roubou o êxtase e reduziu as relações entre homem e mulher a uma sombra distorcida da alegria compartilhada pelo casal arquetípico no jardim. O masculino ferido, em geral excessivamente castrado e profundamente frustrado, procura o seu êxtase perdido em lugares errados – na violência, no poder, no materialismo e na busca hedonista do prazer -, sem entender que ele só pode ser encontrado na relação correta com o feminino sagrado. Uma das realidades mais tristes de nossa cultura é o fato de o predomínio do masculino ferido ter levado ao esgotamento emocional.
Nas situações em que o feminino não é valorizado, um homem não tem verdadeira intimidade com sua contraparte, sua “outra metade”. Com freqüência, ele não consegue canalizar suas energias para uma relação amorosa, uma vez que a sua parceira não é considerada digna e respeitável. Privado de seu oposto igual, o frustrado macho dominante provoca uma combustão: “Onde o Sol sempre brilha há um deserto sob a terra.” As florestas morrem, os rios secam, a terra se fende. A devastação prevalece.
O Paradigma da Completude
O Santo Graal, a Noiva Perdida de Christo, é a parte que está faltando em um antigo paradigma da completude. Havia uma mandala reverenciada nas culturas mais antigas que há muito tempo foi esquecida pela civilização ocidental. Ela era baseada nos símbolos arquetípicos de macho e fêmea, na “lâmina” masculina e no “cálice”, ou Graal, feminino. Essa mandala santa é o símbolo do Casamento Sagrado. É significativo observar que esse mesmo símbolo é encontrado nos escritos esotéricos dos mestres alquimistas medievais, que o identificavam como a “pedra filosofal” da transformação espiritual. O modelo esquecido do Casamento Sagrado entre homem e mulher, céu e terra, ainda é uma mandala da harmonia, da completude e do companheirismo.
No período neolítico, segundo estudos recentes, houve uma época de ouro em que as diferenças entre macho e fêmea não envolviam uma acirrada luta pelo controle. Em vez disso, os relacionamentos fundavam-se em um companheirismo no qual os dons naturais masculinos e femininos eram aceitos e apreciados. Esse período da pré-história, que já se acreditou ser um mito, pode agora ser reconstituído por meio de artefatos encontrados em locais onde viveram civilizações que adoravam uma graciosa e generosa Deusa-Mãe. Descobertas arqueológicas comprovam a existência de sociedades nas quais os dons femininos – acentuada intuição, alimentação, cuidados, carinho e educação das crianças – eram honrados; nas quais a “lâmina” servia para cultivar a terra, e não para intimidar.
Considerava-se toda a vida sagrada, os artistas e a sua arte floresciam e a criatividade era motivo de celebração. Pesquisas fascinantes realizadas em todo o mundo sobre essas antigas culturas e sociedades de orientação maternal foram compiladas por Medin Stone, Marija Gimbutas e Riane Eisler, para citar apenas alguns estudiosos. Descobertas recentes revelaram que em numerosos santuários paleolíticos e neolíticos, datados de 7000 a 3500 a.C., a letra V (símbolo do cálide sagrado) era associada à Deusa-Mãe. A conclusão de Marija Gimbutas, antropóloga cultural que encontrou esse ideograma nos santuários da antiga Europa, é de que o V foi usado nos manuscritos da região e pode ter sido uma representação da deusa manifestada como uma ave. O estudo do simbolismo arcaico me faz questionar a conclusão de que o V representava uma ave. Na verdade, o V é um símbolo arcaico do “recipiente” ou “útero” de todas as formas de vida. Ele é o cálice sagrado arquetípico e simboliza a própria Terra, o único planeta que conhecemos onde existe vida.
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Símbolo do Chakra cardíaco, o Anahata
Gostaria de sugerir que os símbolos arquetípicos de masculino e feminino (∧ e V) retratam um distante dualismo que pode ser recomposto e utilizado para formar um antigo paradigma da completude. Essa imagem visual é, obviamente, o hexagrama. Na antiga doutrina da índia, o Casamento Sagrado do deus indiano Shiva e sua contraparte, Shakti, é representado por essa forma geométrica. De sua sagrada Dança Cósmica dos Opostos (que se atraem e se completam), que simboliza a interação entre as forças positiva e negativa, o masculino e o feminino, enquanto polaridades, a harmonia se dissemina por todos os aspectos da vida das pessoas. Esse equilíbrio se reflete no bem-estar da comunidade e na fertilidade da terra, de suas colheitas e de seu gado, pois existe equilíbrio entre as duas principais forças criadoras.
O hexagrama (representando a união do masculino e do feminino, símbolo do chakra Anahata, o do coração) parece ter se difundido na direção do Ocidente, da Índia ao Oriente Médio e para a Europa. Embora o nome Eros tenha outras conotações, vou utilizá-lo para representar o princípio feminino do amor e da coesão no sentido junguiano, vinculado ao poder e à luz. Esses dois princípios são chamados yin/yang na filosofia oriental. O abandonado princípio do Eros/coesão, representado pelo V da Grande Deusa, tem sido desvalorizado no decorrer dos séculos, desde aquele longínquo milênio, quando ele foi reverenciado. Vez por outra, o apreço pelo feminino surge e é reprimido. Nós já analisamos evidências do breve esplendor da rosa vermelha, a Noiva em Provença, no século XII, antes de ela ser forçada pela Inquisição a entrar na obscuridade.
Nossa adoração de uma imagem exclusivamente masculina de Deus é, ao mesmo tempo, desvirtuada e perigosa. De acordo com o princípio “Assim na Terra como no Céu”, as preferências e a dominação masculinas fazem com que a sociedade forme instituições baseadas em um modelo “masculino”, com o poder concentrado no topo e as massas exploradas aprisionadas na base. Esse é o padrão das ditaduras e da opressão. Em uma sociedade em que o feminino recebe um quinhão igual, as crianças são alimentadas e as viúvas são consoladas; artes, literatura, música e dança são encorajadas; a infância é feliz; o trabalho é produtivo; e as pessoas vivem em harmonia. É interessante observar que após o milênio das guerras – e o conseqüente flagelo de pragas e fome que se seguiu -, as terras mediterrâneas dos impérios grego e romano, nos séculos que antecederam o nascimento de Jesus, desenvolveram um amplo culto de ÍSIS, Rainha do Céu e da Terra.
Marie-Louise von Franz, estudiosa e intérprete dos trabalhos do psiquiatra Carl Jung, atribui esse culto da deusa ao fato de o sistema de consciência masculino desgastar-se. De fato, ele acaba atingindo a combustão total dada a excessiva ênfase que dedica às realizações mentais – ou do intelecto. Depois de algum tempo, ele precisa descansar das frenéticas atividades voltadas para o alcance de objetivos apenas materiais e procura sossego e abrigo no feminino, na sombra e na noite. Em Alquimia, Marie-Louise von Franz observa que no fim de uma civilização patriarcal aparece a “enantiodromia” – o poder do princípio masculino “exaurido” é passado a uma “deusa” e, mais tarde, reafirma-se na nova era, que, em seguida, institucionaliza novas idéias e uma direção cultural diferente.
As imagens desgastadas dos velhos tempos são abandonadas e outros arquétipos são encontrados para transmitir a mensagem. Esse fenômeno foi ilustrado na vida da Igreja cristã primitiva quando os patriarcas tomaram o evangelho de Jesus pregado nas ruas e o institucionalizaram com normas, rituais, dogmas e tratados escritos. O princípio feminino da coesão (FUSÃO) era a prática inicial das primeiras comunidades cristãs, nas quais a unidade do Espírito havia dissolvido classes e barreiras sexuais, permitindo que mulheres e escravos participassem inteiramente da vida do grupo -consentindo até que pregassem e profetizassem. Menos de um século após o seu estabelecimento, a liberdade e a igualdade dadas as mulheres, escravos e estrangeiros por meio da mensagem cristã já estavam sendo repensadas pelos homens no comando, e novas regras de comportamento ético e de práticas religiosas passaram a ser formuladas.
A era da parceria teve vida curta, pois foi sobrepujada pelo retorno do papel masculino dominante e da relativa subordinação da mulher na Igreja e na sociedade como um todo. O modelo hierárquico de instituições patriarcais, no qual todas as decisões e todo o poder estão nas mãos do HOMEM governante autocrático ou da oligarquia, que fica no topo, está perdendo a vitalidade no despertar da poderosa consciência feminina que começa a se expressar no mundo moderno. Essas instituições, que pregam a obediência total como a maior de todas as virtudes, começam a ruir sob a influência feminina da liberdade de pensamento, da intuição, da criatividade, da intuição e da coesão. Isso conferiu visibilidade gradual aos valores que o feminino, tradicionalmente, considera mais relevantes, como a educação dos filhos e os cuidados com eles, bem como o aprimoramento da qualidade de vida.
Sob a influência do princípio feminino sagrado ressurgente, existe a esperança de que todos os povos ainda venham a ser iluminados e passem a tratar com carinho da singular dádiva da vida da qual esse planeta “que carrega água” é o guardião. A “voz da noiva” (Jeremias 33: 11) está, finalmente, sendo ouvida. O primeiro sinal que Winston Churchill utilizou como símbolo da determinação dos aliados em vencer a Segunda Guerra Mundial foi a letra V. Por um lapso do inconsciente, esse símbolo tornou-se, desde então, o sinal universal dos movimentos democráticos por todo o planeta.
Conscientemente ou não, esse “cálice”, a letra V, é uma invocação da deusa e representa o princípio feminino do Eros/coesão. Mas o V não pode ficar só – uma sociedade baseada apenas no modelo ∧ por certo irá tombar. Ele vai sempre precisar da contrapartida do logos/razão, que se manifesta nas leis, na ordem, na disciplina e no autodomínio, para produzir o equilíbrio do hexagrama. Os líderes das sociedades patriarcais, “os guardiões dos muros” (Cântico dos Cânticos 5:7), não compreendem a ferida que provocam em si mesmos quando negam a sua contraparte feminina enquanto lutam para manter o seu poder e o status quo.
Uma história muito interessante é contada sobre São Tomás de Aquino (1225-1274), o grande articulador e definidor da doutrina católica e um dos principais arquitetos dos muros (dogmas) da Igreja oficial de nossos dias. São Tomás é o protetor contra a morte súbita. Parece que, pouco antes de morrer, esse estudioso sacerdote não conseguiu continuar a escrever sua obra, a Suma teológica, e declarou que todos os seus escritos eram como palha! Pouco tempo depois, ele estava viajando no lombo de um jumento quando bateu fortemente a cabeça no galho de uma árvore e caiu do animal. Naquela noite, sentindo-se abalado e doente, ficou em um mosteiro nos Alpes austríacos. Os monges o persuadiram a sair da cama e dividir com eles um pouco de sua sabedoria, e São Tomás não se negou a fazê-lo. O tópico por ele escolhido foi o Cântico dos Cânticos; mas, quando dava sua interpretação do trecho “Venha, meu amado, saiamos ao campo, passemos a noite nos pomares” (7:14), morreu subitamente.
A Escritura que esse santo considerava mais preciosa foi o tema de seu discurso final, o cântico do Casamento Sagrado! É uma pena que esse episódio revelador tenha sido esquecido, enquanto a Suma teológica continue a ser ensinada em seminários por todo o mundo mesmo tendo sido repudiada há séculos pelo próprio autor! Os “guardiões dos muros”, obcecados por manter o controle, conseguiram evitar que a Noiva se tornasse uma parceira igual. A desvalorização do feminino deve ser revertida, não para ocupar o lugar do masculino, mas para assumir o papel da contraparte, ao lado do masculino, não mais atrás e muito menos à frente, há tanto tempo desejada, a Noiva-Irmã Perdida. Juntos, eles precisam correr pelos campos para preparar a terra, semear e colher.
Existe uma antiga promessa nos salmos da Bíblia: “Os que semeiam com lágrimas ceifarão com alegria… e voltarão com júbilo trazendo consigo os seus feixes” (Salmos 126: 5-6). Essa passagem profetiza o retorno dos remanescentes de Israel do exílio na Babilônia. É hora de, mais uma vez, deixar a “Babilônia”, símbolo do império adorador do Sol e do poder, e retomar à Terra Prometida, “onde correm leite e mel”, onde os princípios masculino e feminino são celebrados juntos, em parceria, e onde ela *é a base da completude. Há muitos séculos, o Logos masculino tem sido entronizado à direita de Deus, adorado e glorificado nas orações e na consciência catolica, levando a civilização ocidental a uma tendência “machista”.
É hora de reivindicar o Eros, o aspecto feminino da divindade. Nós já conhecemos o Logos (razão) de Deus – a Palavra que se fez carne em Jesus. Agora, precisamos passar um tempo com a Dama do Jardim, nos regozijando com sua bondade, ternura, preocupação e compaixão pelos anawin. Esses pequeninos, as “uvas secas de Deus”, têm sido causticados e ressecados sob os impiedosos raios do princípio masculino dominante.
Os Signos da Nova Era
O signo desta Nova Era, Aquário, é representado por duas linhas onduladas paralelas: =. Seu significado é a “dissolução das formas”, mas ele não representa a água, como poderíamos pensar. Segundo os astrólogos, Aquário é um signo do ar. As formas que podem estar se dissolvendo sob a sua influência são as nossas instituições patriarcais de governo, a Igreja e até a família (?). E as ondas que as estão desfazendo são as águas figurativas do Espírito Santo, o Espírito da Verdade. Essa verdade está nas ondas do ar, da comunicação de massa e da imprensa livre, que fizeram do mundo uma aldeia. Elas estão derrubando, com rapidez, as barreiras artificiais de nação, raça e credo, permitindo que os indivíduos vejam a si mesmos como um só corpo unido a toda a criação.
Os vôos espaciais das últimas décadas nos permitiram enxergar à distância o nosso planeta como ele realmente é, sem cercas, sem muros. A verdade segue a sua marcha! Os adeptos da heresia do Graal acreditavam que o resgate e a valorização do feminino eram a chave para o cumprimento das promessas milenares de paz e justiça universais. Talvez eles também tivessem a esperança de que a hora da libertação ocorreria no futuro amanhecer de Aquário, quando as ondas do Aguadeiro dissolveriam as estruturas patriarcais da sociedade e uma nova força espiritural surgiria. Os artistas e esotéricos medievais impregnavam-se da astrologia. Seus estudos de ciência, filosofia, medicina e astronomia os levaram a formar sociedades secretas e formular seus escritos sob a forma de símbolos para que pudessem praticar as artes ocultas em relativa segurança.
Um bom exemplo disso é encontrado nos textos dos alquimistas medievais e renascentistas, que utilizavam símbolos astrológicos para explicar suas descobertas nos campos da filosofia e da psicologia. Como vimos, a alquimia não era, originariamente, a busca por uma fórmula metalúrgica de transformar chumbo em ouro. Os textos básicos dos antigos mestres alquimistas tratam da transmutação de uma pessoa comum em um ser espiritual. Esses escritos se referem ao uso das doutrinas do Evangelho sobre o serviço e o sacrifício. As provas pelas quais passamos são a própria vida, e o objetivo é o retorno da nossa união com Deus. O indivíduo transformado é alguém que encontra a “pedra filosofal” – freqüentemente associada à sabedoria – ou a “pérola de grande valor”.
Em alguns textos alquímicos, essa sabedoria é ilustrada com o símbolo do hexagrama (O ponto do lado direito superior representa a presença de Deus). Mais uma vez, encontramos a sagrada união dos opostos e a completude/coesão ilustradas pelo hexagrama. Os símbolos dos alquimistas são iguais aos que foram encontrados nas marcas-d’água albigenses e entre os rosa-cruzes, maçons e esotéricos, como vimos em capítulos anteriores. Muitos desses símbolos começaram a ser resgatados no século XX por estudiosos das civilizações medievais e esotéricos.
Contudo, grande parte dessas pessoas parece não ter percebido o elo vital: a heresia do Graal e o seu segredo da Noiva Perdida. A tradição rabínica judaica ensina que a Arca da Aliança, guardada no Santo dos Santos do Templo de Salomão, no Monte Sião, continha não apenas as tábuas nas quais os Dez Mandamentos estavam inscritos, como também “um homem e uma mulher abraçados na intimidade, no formato de um hexagrama”. Essa tradição articula a base fundamental da sociedade hebraica – as tábuas representam os preceitos da aliança, o hexagrama simboliza o hieros gamos, a íntima união sagrada dos opostos. O significado do hexagrama é resumido na palavra hebraica shalom, significando “paz e bem-estar”. É, ainda, a oração do universo.
Pesquisas recentes sobre o aspecto feminino de Deus na tradição hebraica revelam que o Santo dos Santos era a câmara nupcial na qual se consumou a união de Jeová, o invisível Deus Único, e sua contraparte, Shekinah (ou Matronit, como ela era muitas vezes chamada). Com a destruição do Templo, segundo o mito judaico, o relacionamento de Jeová e Shekinah foi rompido, e Jeová voltou aos céus para reinar sozinho. Enquanto isso, sua Noiva, exilada, perambulava na Terra como a comunidade de Israel na Diáspora – e como Magdal-eder e Cinderela!
Encontramos essa Noiva-Irmã, ainda à procura de seu Noivo perdido, no Cântico dos Cânticos 1:15: “Eu sou morena, porém formosa como as tendas de Quedar.” A Noiva continua explicando que a negritude de sua pele se deve ao trabalho nos vinhedos de seu irmão, sob sol intenso. Ela está bronzeada, escurecida, por servir ao princípio solar. Como observamos, supõe-se que o Cântico dos Cânticos tenha sido uma antiga canção de casamento. Ele permaneceu entre as Escrituras de Israel, amado e reverenciado por gerações posteriores, e foi emprestado à cristandade pelo judaísmo. Até o século XIII, a Noiva costumava ser associada a Maria Madalena. E o símbolo sagrado continuou na tradição rabínica como o mais importante do Casamento Sagrado, uma promessa de harmonia e bem-estar.
Em muitos mitos do rei ou deus ferido ou inválido, inclusive no do Rei Pescador Anfortas, do poema “Parsifal”, seu ferimento é no pé ou na coxa – uma metáfora universal para os órgãos genitais na arte e na literatura ocidentais. Ele será curado somente quando a sua contraparte feminina for encontrada. Essa reunião é fonte de bênçãos, alegria e fertilidade, que emanam da câmara nupcial e se derramam por toda a família e a humanidade. Os companheiros separados curam-se por meio de seu reencontro, uma vez que a separação é sua verdadeira ferida!
O Projeto para o Templo
“Existe alguém que se lembre da antiga glória dessa casa?”- pergunta o profeta hebreu Haggai. A data era 520 a.C., e o Templo de Salomão, no Monte Sião, estava destruído. Os judeus retomaram a Israel após setenta anos de exílio na Babilônia, a cidade associada à adoração pagã. A Palavra de Deus para Haggai era de que o Templo devia ser reconstruído e que as bênçãos começariam a fluir outra vez quando suas fundações estivessem concluídas – e não depois que o Templo estivesse pronto, mas quando fosse iniciado! Quando compreendermos o projeto do verdadeiro Templo – o equilíbrio sagrado e gerador da vida das energias masculina e feminina, natural do próprio Cosmos, e o simbolismo que retrata o conjunto da sabedoria da Antiguidade -, as bênçãos começarão a fluir como um plácido rio por entre as terras ressecadas do planeta.
Segundo a promessa de Isaías, o deserto florescerá. A paz e o bem-estar universais poderão ser restaurados quando o projeto do Templo for abraçado em nosso consciente. O projeto é o resgate do Amor, simbolizado pelo hexagrama, relacionado ao chakra cardíaco, o Anahata. Um dogma interessante da sabedoria esotérica é de que o símbolo do impulso cultural de toda nova era é embrionário e está presente “no cenário” no momento em que a era anterior começa a morrer. De acordo com os Evangelhos, na noite em que Jesus foi preso no jardim de Getsêmani e levado à Fortaleza Antônia para ser interrogado, soldados romanos o torturaram e o coroaram com espinhos. Entalhado nas pedras que cobrem o chão dessa fortaleza, no átrio onde se diz que a tortura ocorreu, está o emblema do Casamento Sagrado com uma pomba pairando sobre ele, de asas abertas. Acredita-se que esse símbolo foi gravado ali pelos soldados romanos da guarnição, talvez relacionado a algum jogo popular, como o xadrez.
De qualquer modo, sua presença naquele cenário parece mais do que uma simples coincidência. Esse emblema representava a era que se aproximava, a era do companheirismo e da completude, embrionária nos ensinamentos de Jesus descritos nos Evangelhos. Os alquimistas são conhecidos por terem usado esse mesmo sinal para designar a pedra filosofal, o objetivo de seu trabalho de transformação. É provável que eles não soubessem que o emblema estava no chão do átrio em que o Noivo/Rei foi torturado. É mais plausível imaginar que o seu conhecimento de geometria e símbolos sagrados os tenha feito adotar o hexagrama por causa de seu significado intrínseco de completude e companheirismo. Este símbolo, o hexagrama, resume as palavras iniciais da Bíblia hebraica em Gênesis 1: “No princípio Deus criou os céus e a Terra… e o espírito de Deus pairava por sobre as águas”.
A presença de Deus, que na escrita cifrada dos alquimistas é um pequeno ponto, é representada pela pomba no emblema que está no chão da Fortaleza Antônia. Nos textos dos alquimistas, a estrela sozinha pode significar o “caos”, enquanto a adição do ponto ou da pomba cria o significado de “cosmo”. A ideia é de que a presença e a orientação do Espírito Santo oferecem direção e significado ao universo criado, uma visão teológica do mundo com profundas raízes na tradição judaico-cristã. A pomba do Espírito pairando sobre o hexagrama do hieros gamos gravada no chão da Fortaleza Antônia é um símbolo da completude e da transformação espiritual para todas as eras. Talvez seja relevante o fato de que os adeptos medievais das doutrinas secretas tenham optado por não louvar o crucifixo. Em vez disso, o consideravam um instrumento de tortura, indigno de veneração. Eles glorificavam o X da iluminação (a letra grega CHI, inicial de Cristo), – a promessa do milênio – e a pomba do Espírito.
A Pomba, O Cordeiro e o Peixe
A pomba é um dos símbolos cristãos mais familiares e amados, interpretado como um sinal do Espírito Santo, que só se tornou masculino quando foi traduzido para o latim spiritus sanctus. A palavra hebraica usada para o Espírito é feminina. Nas cosmologias antigas, o Espírito era sempre feminino, e a pomba era a ave que o representava. Precisamos analisar a pomba com dois outros antigos símbolos associados a Jesus: o peixe e o cordeiro. Ambos aparecem com enorme freqüência na iconografia cristã e têm um significado especial para a história da Noiva Perdida. Quando João batizou Jesus no rio Jordão, o céu se abriu e os espectadores devem ter se surpreendido ao verem uma pomba descer e pousar sobre Jesus.
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